sexta-feira, 12 de junho de 2015

Oitenta e Quatro

DE SERVIÇO EXTRA


O artigo de Apolônio Cidadão – Resistir à vacinação: um ato legal e moral – é eclipsado pela publicação de Emiliano e de Ferdinando sob o pseudônimo Os Cruzados. A notícia do envolvimento de autoridades com o alto meretrício, insinuado pelos dois, circula pela cidade afora e constrange homens do governo. Theodoro não consegue descobrir a identidade dos autores apócrifos. Nem o chefe de polícia é bem-sucedido no intento. A despeito das pressões sofridas, os jornais recusam-se a revelar quem foram os pagantes. Silva Castro decide, então, resolver o problema de outro modo. Instrui os delegados a livrar as ruas dos caftens e do trottoir, com rigor total. Após a instrução, pede que Barroso permaneça na sala e o indaga acerca do que sabe sobre aquelas publicações. O indagado não gosta da pergunta.
-- Por que eu haveria de saber?
-- Tem contato com a imprensa e precedentes. Haja vista aquele seu depoimento sobre o combate à prostituição.
-- Por acaso sou homem de me esconder atrás de alcunhas?
Acirradas as desavenças com o superior, Barroso ordena Raposo e demais fiscais do distrito a notificar as meretrizes da região, que têm até domingo para se mudarem, caso contrário, serão presas por crime de ofensa aos bons costumes. Ordem cumprida, a notificação desencadeia altercações, ameaças de prisão imediata e agrados aos bolsos e à carne dos fiscais. Ao final do exaustivo dia, Raposo se encontra com Lucrécio, um velho conhecido arregimentador de serviço extra, que lhe faz uma oferta.
-- É coisa simples e a paga boa: trezentos reis. Te interessa?
-- Ó, se não! O quê é pra fazer?
-- Sabe a Divina Negrão da São Jorge?
-- Sei.
-- Terá de dar um sumiço nela por uns tempos.
-- Como, homem de Deus?
-- Bota ela no xadrez por explorar a fé do povo.
-- Tá louco! A benzedeira é forte.
-- Deixa de bambeza: é ou não é o Raposo?
-- Mas num tenho feitio pra atazanar o invisível.
-- Depois num queixa que eu não te arrumo mais bico pra fazer.
-- Não deite o cabresto assim.
-- Você é que tá deitando.
-- Ó Lucrécio, vê se entende a minha situação.
-- Só entendo que tem graúdo metido no meio e pode mudar a sua sorte.
-- A troco de quê querem prender a mulher?
-- Tá embarreirando a solução de uma questão.
-- Há de ter suas razões.
-- Os figurões são gente séria e afiançaram que todo mundo ficará bem depois.
-- Vai que a benzedeira joga um feitiço em mim?
-- Há modos e modos de prender e cuida dela na detenção, ora!
-- Com trezentos reis? É quase o custo pra pedir pros orixás proteção extra.
-- Falo com os homens e tento melhorar a paga.
-- E bem. Serviço desse tipo tá na casa do meio conto de reis.
-- Quer ficar rico de uma vez?
-- Com essa mixaria?
-- Muito mais que teu salário.
-- Faz as contas e verá que no final ficarei com quase nada.
-- Tá certo. Vou ver o que consigo e te aviso no mais tardar amanhã.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

Você acabou de ler mais um capítulo inédito de O Rio e o Mar, folhetim virtual. Este e os demais capítulos já publicados encontram-se reunidos em orioeomar.blogspot.com.br


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