EM CADA CASA UMA INQUIETAÇÃO
Maio
vive o seu ocaso, em dias azulados e noites frescas. Catarina retorna da
fazenda, suspeita da traição do marido e age para salvar seu casamento. Páscoa,
por sua vez, se espraia e recua, como ondas, ora no desejo de ser dona de sua
vida, ora no medo de pedir a separação para Herculano.
Inquietações
também são vividas na Rua São Jorge. Há mais de um mês, Inácia e as mulheres da
casa de Sinhá Cota receberam uma carta de Juliano e do Zé. Desde então, a falta
de notícias transformou em apreensão a alegria de saber do sucesso dos jovens
em Salvador. Temem o pior.
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Joga os búzios, Divina.
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Oh, gente! Não amola o santo em vão.
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Então bota as cartas, amiga.
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Notícia ruim vem a galope, se não veio, é porque lá tá tudo bem.
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Divina! Coração de mãe não se engana.
Por
isso mesmo não quer saber nada do destino para não confirmar o que também
intui. Assim, cada uma se aflige com seus pressentimentos, que, no entanto, lhe
são incapazes de revelar a prisão dos jovens por prática ilegal de capoeiragem.
Outros
com a vida sombreada são os vizinhos Ismênia e Altino. O disse-me-disse acerca
de Mariinha na Casa Rosada correu pela rua e enlutou de vez o casal. Neste
instante ouvem notícias da jovem pelo amigo Adamastor, que ali está com a esposa
Risoleta. A moça está bem, mandou lembranças e pediu permissão para visitá-los.
O semblante de Rubião se ilumina. Bertoleza, com um filho no colo, e os dois
maiorzinhos na barra da saia, desconfia da reação do marido e avermelha-se de
ciúmes. Altino emociona-se.
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Então era tudo língua grande do povo!
Risoleta
e Adamastor se entreolham. Perguntas se emendam.
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Disse onde tá morando? Tá empregada? Vive de quê?
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Bom. Pelo que disse, mora perto da perfumaria.
Rubião
quer precisão.
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Perto onde, pros lados da loja ou do Pharoux?
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No l’Ondé Bleú .
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Como pode? Isso é pensão de cartola! Tem gavião metido nessa estória.
Altino
mira Adamastor.
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Pode falar, estou pronto pra ouvir a verdade.
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Arranjou um protetor.
Altino
empalidece, Ismênia cai em pranto. Risoleta a consola e Rubião enraivece. Toma
a frente dos entendimentos.
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Quem é o salafrário?
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O nome não disse, só falou que é um figurão e muito bom pra ela.
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Temos de descobrir e lavar a honra, meu irmão.
Bertoleza
enfeza.
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Toma tino nessa fuça, ó Rubião.
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Cala a boca, mulher.
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Só porque o cunhado não pode ter mais dissabor.
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Do que tá falando? – pergunta Altino.
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De não sofrer mais: roupa suja lavada na rua num tem serventia alguma.
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A cunhada tá certa. Não posso tornar a perdição maior.
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Pelo menos, o safado honrou as calças e não fez que nem uns e outros que
arruína moça sem ter onde cair morto, conclui Bertoleza.
Risoleta
cutuca Adamastor, que faz a pergunta ainda sem resposta.
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O que digo para Mariinha? Pode vir tomar a benção?
Os
prantos de Ismênia se avolumam, mas Altino é inflexível.
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Escolheu a sua sina, pois que fique com ela pra lá e nós cá, com as nossas.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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