quarta-feira, 3 de junho de 2015

Capítulo Setenta e Dois

EM CADA CASA UMA INQUIETAÇÃO


Maio vive o seu ocaso, em dias azulados e noites frescas. Catarina retorna da fazenda, suspeita da traição do marido e age para salvar seu casamento. Páscoa, por sua vez, se espraia e recua, como ondas, ora no desejo de ser dona de sua vida, ora no medo de pedir a separação para Herculano.
Inquietações também são vividas na Rua São Jorge. Há mais de um mês, Inácia e as mulheres da casa de Sinhá Cota receberam uma carta de Juliano e do Zé. Desde então, a falta de notícias transformou em apreensão a alegria de saber do sucesso dos jovens em Salvador. Temem o pior.
-- Joga os búzios, Divina.
-- Oh, gente! Não amola o santo em vão.
-- Então bota as cartas, amiga.
-- Notícia ruim vem a galope, se não veio, é porque lá tá tudo bem.
-- Divina! Coração de mãe não se engana.
Por isso mesmo não quer saber nada do destino para não confirmar o que também intui. Assim, cada uma se aflige com seus pressentimentos, que, no entanto, lhe são incapazes de revelar a prisão dos jovens por prática ilegal de capoeiragem.
Outros com a vida sombreada são os vizinhos Ismênia e Altino. O disse-me-disse acerca de Mariinha na Casa Rosada correu pela rua e enlutou de vez o casal. Neste instante ouvem notícias da jovem pelo amigo Adamastor, que ali está com a esposa Risoleta. A moça está bem, mandou lembranças e pediu permissão para visitá-los. O semblante de Rubião se ilumina. Bertoleza, com um filho no colo, e os dois maiorzinhos na barra da saia, desconfia da reação do marido e avermelha-se de ciúmes. Altino emociona-se.
-- Então era tudo língua grande do povo!
Risoleta e Adamastor se entreolham. Perguntas se emendam.
-- Disse onde tá morando? Tá empregada? Vive de quê?
-- Bom. Pelo que disse, mora perto da perfumaria.
Rubião quer precisão.
-- Perto onde, pros lados da loja ou do Pharoux?
-- No l’Ondé Bleú l'Onde Bleuel'Onde Bleuel'Onde Bleuel'Onde Bleue.
-- Como pode? Isso é pensão de cartola! Tem gavião metido nessa estória.
Altino mira Adamastor.
-- Pode falar, estou pronto pra ouvir a verdade.
-- Arranjou um protetor.
Altino empalidece, Ismênia cai em pranto. Risoleta a consola e Rubião enraivece. Toma a frente dos entendimentos.
-- Quem é o salafrário?
-- O nome não disse, só falou que é um figurão e muito bom pra ela.
-- Temos de descobrir e lavar a honra, meu irmão.
Bertoleza enfeza.
-- Toma tino nessa fuça, ó Rubião.
-- Cala a boca, mulher.
-- Só porque o cunhado não pode ter mais dissabor.
-- Do que tá falando? – pergunta Altino.
-- De não sofrer mais: roupa suja lavada na rua num tem serventia alguma.
-- A cunhada tá certa. Não posso tornar a perdição maior.
-- Pelo menos, o safado honrou as calças e não fez que nem uns e outros que arruína moça sem ter onde cair morto, conclui Bertoleza.
Risoleta cutuca Adamastor, que faz a pergunta ainda sem resposta.
-- O que digo para Mariinha? Pode vir tomar a benção?
Os prantos de Ismênia se avolumam, mas Altino é inflexível.
-- Escolheu a sua sina, pois que fique com ela pra lá e nós cá, com as nossas.

  
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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