sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo Setenta e Seis

DOS DESGASTES DO GOVERNO


O artigo Homicídio Sanitário de Apolônio Cidadão vem a público no domingo, 10 de julho, no mesmo dia em que outros jornais publicam a carta Cruzada contra a Hidra do Meretrício, escrita por Catarina. Como dinamites de efeito retardatário, os textos explodem no Palácio do Catete, na manhã de segunda-feira.
A agenda presidencial sofre ajustes de última hora para se decidir como agir com relação às publicações. Com Rodrigues Alves estão Theodoro, representante do governo nas relações com a imprensa, Oswaldo Cruz, Diretor de Saúde, e Seabra, o ministro da Justiça. Para Theodoro, Apolônio Cidadão quer desgastar o Governo com bate-bocas sobre o falecimento do Custódio. Recomenda ignorar a provocação do jornalista.
-- Se não, exigirá explicações oficiais para qualquer falecimento.
Oswaldo Cruz não gosta do parecer.
-- Não posso me calar. Devo ratificar os fatos para que não haja dúvidas sobre a probidade científica da ação.
-- Pouco importa para a oposição a verdade dos fatos – e sim a versão criada. É o que irá prevalecer a despeito de qualquer esclarecimento que possamos dar.
-- Ficará que se enterrou um erro com o cadáver. Isso não é bom, pondera Seabra.
-- Exato, exclama Cruz. Precisamos esclarecer a opinião pública e, em especial, a esse jornalista que a morte por peste exige enterro célere para evitar o contágio.
-- Pedirá em letras garrafais a necropsia para atestar a causa da morte.
Oswaldo Cruz refuta a previsão.
-- Não chegará a tamanho descalabro. Presumo que seja um homem de bem, antes de ser um oponente do governo. Irá respeitar pelo menos a quietude do sepultamento.
-- Engana-se. Age conforme a conveniência de seus interesses. Inexiste, portanto, a previsibilidade das ações.
-- Há uma família em luto! Não concordará com esse comportamento malsão.
-- Ou irá voltar a sua dor contra o governo num trabalho urdido pela oposição. Querem render assunto e espalhar o medo à vacina.
-- Senhor Presidente, acato o que for melhor para o Governo, mas não recomendo o silêncio e me constrange não poder defender a nossa reputação.
-- Possui meu compromisso com a vossa autonomia. Porém, como a batalha só começou, aconselho a manter-se ocupado com vossas prioridades e não com agendas ditadas pela má-fé.
-- Fica o dito pelo não dito, senhor presidente?
-- Não. Em razão da morte, recomendo um pronunciamento objetivo na voz do Dr. Theodoro, que enfatizará os procedimentos cabíveis para o combate da peste. Com a mesma objetividade responderá sobre esses Cruzados, se for solicitado a falar. Frisará o compromisso do Governo Federal e Municipal na regeneração material e moral de nossa Capital Federal e encerrará o assunto.
-- Orientarei ambos os pronunciamentos, diz Oswaldo. Nossas ações de higiene visam também combater os males do meretrício.
-- Confio na sintonia dos senhores para cumprirem do melhor modo vossas missões. Mãos à obra porque já dedicamos tempo suficiente à oposição.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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