quarta-feira, 3 de junho de 2015

Capítulo Setenta e Quatro


DA VACINA OBRIGATÓRIA


A 29 de junho, os parlamentares Duarte e Glicério apresentam no Senado o projeto de lei da vacina obrigatória. O mar da polêmica se encrespa e os sinais de tormenta propagam-se para fora da Casa do Povo.
Theodoro analisa a repercussão pela imprensa. O jornalista Sertório de Castro defende a medida de combate à varíola e enaltece o governo. Apregoa que o quadriênio de Rodrigues Alves entrará para a história como o do renascimento nacional animado pela grande sinfonia de trabalho e pelo sopro renovador cheio de audácia americana e do mais atrevido espírito de iniciativa. Como toda sinfonia possui um prelúdio, entende que a orquestrada pelo presidente prepara o meio de que o brasileiro necessita para realizar a sua aspiração de ter um lugar dentro do mundo civilizado. Enfatiza que, apenas após o remate dessa tremenda empreitada, a Capital Federal poderá progredir e ataviar-se como uma mulher jovem e moderna que pretende agradar e dominar. Pergunta ao leitor: “de que vale propagandear os tesouros inesgotáveis do Brasil e convidar técnicos e o capital estrangeiro para aqui operar se, para anular os convites e a propaganda, há a hidra de mil cabeças que devora vidas humanas quando não lhes arma insidiosas ciladas? Nada valem embelezamentos urbanos, novas posturas e obras, a menos que as epidemias inclementes sejam sucumbidas e a vitória da saúde seja transmitida pelos fios telegráficos em notícias que recuperem a reputação da Capital Federal no mundo civilizado”. E termina o artigo com a sua expectativa de que o Congresso aprove a vacina obrigatória, iniciativa indispensável para eliminar a varíola cujo flagelo só suportam povos de cultura inferior servidos por maus governos.
Esse sujeito é bom, compreende o espírito da reforma, avalia Theodoro que passa a examinar a cobertura feita pelos jornais opositores.
Gil Vidal do Correio da Manhã critica o projeto de lei e embasa sua opinião com a declaração do médico brasileiro Platão de Albuquerque de que a vacina pode causar doenças, como cancro, sífilis e tuberculose. “Haverá ainda quem quererá procurar para si ou para os entes amados a morte ou a ruína da saúde? Recusai a vacinação, como um dos maiores flagelos da humanidade” aconselha aos leitores o médico entrevistado.
Dimas Gurgel do Alvorada expõe o parecer do médico fluminense Vieira Souto: “na falta de garantias de que a evolução de certos estados mórbidos não seja de responsabilidade direta da vacina, ocorre logo aos espíritos imparciais que tal meio profilático não pode nem deve revestir-se de caráter compulsório, restando a cada um a faculdade de usá-lo se assim o entender. É o que aconselha o bom senso”.
Apolônio Cidadão do Comércio do Brasil também referenda a adoção do livre-arbítrio na questão. E vai além. Acusa o governo de irresponsabilidade similar à dos médicos que advogam a profilaxia sem revelar as dificuldades vividas pela medicina para atestar a eficácia e a segurança do remédio. Em seguida apregoa que não cabe ao Estado legislar na esfera do pessoal. “Tomar ou não a vacina é uma decisão de cada indivíduo. Atentem, cidadãos, para os fatos: em nome da saúde pública, o Executivo e o Legislativo abusam do poder para unir aquilo que levou séculos para separar: o poder espiritual do temporal. A liberdade de escolha está ameaçada e a opressora intromissão do Governo na vida familiar será consolidada”.
Theodoro termina a leitura e procura o Diretor de Saúde.
-- Precisamos de estatísticas para apoiar a defesa da medida no Senado.
-- Tenho alguns estudos. Posso mandar algum assistente coletar os números.
-- Faça isso e me passe tão logo seja possível. Irei arranjar para que os números apareçam em todos os jornais.  

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
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