DE BARBAS DE MOLHO
No
Palácio do Catete, o dia transcorre em tensão. Oswaldo Cruz retarda a aprovação
do comunicado à imprensa, incerto com o teor escrito por um redator da equipe
de Theodoro. Entre idas e vindas do documento para ajustes, o secretário de
governo atende jornalistas que lotam sua antessala em busca de ouvir a opinião
do governo sobre os artigos. Num dado momento, não recebe mais ninguém.
Tranca-se no gabinete com BV a quem encarrega de apoiar a família do falecido
na condição fictícia de integrante de uma entidade religiosa sensibilizada com
a morte do açougueiro. Instrui para convencer a viúva, a filha e o marido de
que não devem falar com nenhum jornal, exceto para pedir que deixem a alma do
Custódio descansar em paz. Texto finalmente autorizado e distribuído para as
redações da Capital Federal, Theodoro parte no início da noite para relaxar com
Ninon.
A
cortesã o recebe ansiosa por conversar sobre Os Cruzados – e ele ávido por fazer sexo. Inclusive, já a despe.
--Quanta
roupa!
--
Calma, quero te falar.
--
E eu só quero você.
Só
depois do ato consumado, Theodoro traz à baila o assunto. Pergunta-lhe quem
acha que são os autores da publicação apócrifa.
--
Uma identidade acima de qualquer suspeita.
--
Diga logo.
--
Alguma esposa inconformada com as
aventuras do marido.
Theodoro dá uma
gargalhada.
-- Radical a sua
suspeita.
-- Candidatas não faltam.
Nada mais natural que lutem pelo marido com as armas que dispõem. E uma dessas
armas é a seção A Pedido dos Leitores.
-- Que mulher difamaria
seu marido em público se quer defender seu casamento?
-- A que prefere o
marido acuado em casa, por exemplo. Esse perfil me preocupa mais do que uma vingativa que não
espera nada mais do seu matrimônio.
-- Será?
-- Oh, meu falcão. Quão
perigosa é uma mulher traída. Poderia lhe contar casos e mais casos a respeito.
No entanto, prefiro ouvi-lo como defender a Casa Rosada, porque, com certeza, essas
publicações terão efeito na minha clientela.
Theodoro não tem como aconselhá-la,
pelo menos nesse instante em que pensa na possibilidade de Catarina desconfiar
da sua aventura extraconjugal. Como horas depois, a esposa o convence de que a
carta foi escrita por um homem, apega-se a suspeita de que o autor da carta seja
o Comércio do Brasil numa ação
diferenciada para desgastar o governo. Encarrega BV de descobrir no balcão quem
pagou a publicação e de instruir Vivaldino para sondar o assunto também na
redação do jornal.
Outro preocupado com A Cruzada contra a Hidra do Meretrício é
Abreu Vaz. Ouviu comentários desairosos aos adúlteros, prenunciou a formação de
ventos moralizantes e receou o julgamento alheio da sua relação extramarital. O
receio teve efeitos no peixão, que se encolheu e não quis sair da sua inércia,
conforme explicações dadas ao até então invicto elixir.
-- É o fardo das
preocupações!
-- Por que te afliges, se
ninguém falou de ti?
-- A bom entendedor, meia
palavra basta.
-- Amuas tu, amuo eu. Por
que há de ser assim? És um juiz? Podes tudo!
-- Quem me dera poder
tudo, pitéu! A hora é de botar as barbas de molho. Melhor eu não vir nos
próximos dias enquanto o assunto rola por aí.
-- Ah, Ioiô! O que será
de mim?
-- É custoso ficar longe
de ti, mas um homem prudente vale por dois.
-- E em mim, não pensas,
não? Ficarei sozinha sem essa valência toda!
-- Não apoquentes teu
ioiô. Tudo isso logo passará.
-- Por que não lutas por
mim?
-- Como não luto, minha
menina?
-- Vens morar comigo,
então.
-- Piteuzinho, tudo ao
seu tempo! Terás o teu Ioiô todinho para ti.
-- Não sei se terei
forças para esperar.
-- O que queres dizer com
isso?
Um dedo enrola uma
madeixa e as ancas rebolam enquanto o corpo anda.
-- Quem fora de horas
vier, comerá do que houver.
-- Ouse! Porque quem vai
ao vento, perde o assento.
A tensão pesa e o
silêncio emburra no quarto do L’ Onde
Bleue.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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