sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo Setenta e Oito

DE BARBAS DE MOLHO


No Palácio do Catete, o dia transcorre em tensão. Oswaldo Cruz retarda a aprovação do comunicado à imprensa, incerto com o teor escrito por um redator da equipe de Theodoro. Entre idas e vindas do documento para ajustes, o secretário de governo atende jornalistas que lotam sua antessala em busca de ouvir a opinião do governo sobre os artigos. Num dado momento, não recebe mais ninguém. Tranca-se no gabinete com BV a quem encarrega de apoiar a família do falecido na condição fictícia de integrante de uma entidade religiosa sensibilizada com a morte do açougueiro. Instrui para convencer a viúva, a filha e o marido de que não devem falar com nenhum jornal, exceto para pedir que deixem a alma do Custódio descansar em paz. Texto finalmente autorizado e distribuído para as redações da Capital Federal, Theodoro parte no início da noite para relaxar com Ninon. 
A cortesã o recebe ansiosa por conversar sobre Os Cruzados – e ele ávido por fazer sexo. Inclusive, já a despe.
--Quanta roupa!
-- Calma, quero te falar.
-- E eu só quero você.
Só depois do ato consumado, Theodoro traz à baila o assunto. Pergunta-lhe quem acha que são os autores da publicação apócrifa.
-- Uma identidade acima de qualquer suspeita.
-- Diga logo.
-- Alguma esposa inconformada com as aventuras do marido.
Theodoro dá uma gargalhada.
-- Radical a sua suspeita.
-- Candidatas não faltam. Nada mais natural que lutem pelo marido com as armas que dispõem. E uma dessas armas é a seção A Pedido dos Leitores.
-- Que mulher difamaria seu marido em público se quer defender seu casamento?
-- A que prefere o marido acuado em casa, por exemplo. Esse perfil me preocupa mais do que uma vingativa que não espera nada mais do seu matrimônio.
-- Será?
-- Oh, meu falcão. Quão perigosa é uma mulher traída. Poderia lhe contar casos e mais casos a respeito. No entanto, prefiro ouvi-lo como defender a Casa Rosada, porque, com certeza, essas publicações terão efeito na minha clientela.
Theodoro não tem como aconselhá-la, pelo menos nesse instante em que pensa na possibilidade de Catarina desconfiar da sua aventura extraconjugal. Como horas depois, a esposa o convence de que a carta foi escrita por um homem, apega-se a suspeita de que o autor da carta seja o Comércio do Brasil numa ação diferenciada para desgastar o governo. Encarrega BV de descobrir no balcão quem pagou a publicação e de instruir Vivaldino para sondar o assunto também na redação do jornal.
Outro preocupado com A Cruzada contra a Hidra do Meretrício é Abreu Vaz. Ouviu comentários desairosos aos adúlteros, prenunciou a formação de ventos moralizantes e receou o julgamento alheio da sua relação extramarital. O receio teve efeitos no peixão, que se encolheu e não quis sair da sua inércia, conforme explicações dadas ao até então invicto elixir.
-- É o fardo das preocupações!
-- Por que te afliges, se ninguém falou de ti?
-- A bom entendedor, meia palavra basta.
-- Amuas tu, amuo eu. Por que há de ser assim? És um juiz? Podes tudo!
-- Quem me dera poder tudo, pitéu! A hora é de botar as barbas de molho. Melhor eu não vir nos próximos dias enquanto o assunto rola por aí.
-- Ah, Ioiô! O que será de mim?
-- É custoso ficar longe de ti, mas um homem prudente vale por dois.
-- E em mim, não pensas, não? Ficarei sozinha sem essa valência toda!
-- Não apoquentes teu ioiô. Tudo isso logo passará.
-- Por que não lutas por mim?
-- Como não luto, minha menina?
-- Vens morar comigo, então.
-- Piteuzinho, tudo ao seu tempo! Terás o teu Ioiô todinho para ti.
-- Não sei se terei forças para esperar.
-- O que queres dizer com isso?
Um dedo enrola uma madeixa e as ancas rebolam enquanto o corpo anda.
-- Quem fora de horas vier, comerá do que houver.
-- Ouse! Porque quem vai ao vento, perde o assento.
A tensão pesa e o silêncio emburra no quarto do L’ Onde Bleue.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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