A PREGAÇÃO DA CONSPIRAÇÃO
Theodoro lê a nota do governo publicada no Imparcial. Porém, quando o sol alcança
o alto do céu, O Farol derrama sua
luz, num clarão incomum ao meio-dia. O rosto do secretário de governo se
sombreia ao ver o conteúdo exclusivo impresso no jornal da oposição. Como tiveram acesso? Espantado, passa os
olhos na crítica que ridiculariza a mensagem assinada por Silva Castro.
“A
perversidade humana, sobretudo quando aguçada pelo interesse ambicioso, é
fértil em encontrar, nos mais fúteis pretextos, nos acontecimentos mais
insignificantes, um campo vasto para o seu gênero predileto de explorações.
Desta vez, fatos não faltaram para arrastar o chefe de polícia pelo ridículo
dessa denúncia, que ficará como outra nota triste da sua administração, eivada
de idênticos sinais da sua reconhecida inépcia e absoluta incompetência.”
Mal digeriu o vazamento da informação, BV o
avisa de que o Prefeito acaba de assinar o decreto que proíbe a concessão de
privilégios para qualquer aplicação de energia elétrica. Deixa o Palácio em
direção ao escritório de Ernesto, onde irá tomar providências que impeçam os
sócios principais de serem pegos de surpresa.
A repercussão da denúncia de subversão
circula pela cidade. Apoios ao Chefe de Polícia são ouvidos num café.
-- O homem não dorme em serviço.
-- Melhor pecar pelo excesso que pela falta.
Avaliações são feitas também ao balcão de um
quiosque.
-- Silva Castro é um pau de dois bicos, com
os graúdos, uma dama, com os miúdos, o demônio.
-- Tome tento, gente, onde tem onça, macaco
não pia.
-- Arre, Matias. Tu és mesmo um moleirão.
-- Num tão vendo que num pode falar mal do
governo?
Porém o povo fala e até na delegacia.
-- É um desarvorado. Onde já se viu fazer
essa publicação. A imprensa vai acabar com a raça do Silva Castro, profetiza
Barroso.
-- Todinha? Num sei, não, responde um
cabreiro Raposo.
-- Pois te digo, todinha. Perderam vendas
ganhas pelo Imparcial e pelo Farol. Farão o sonso pagar a conta.
-- Chi, é mesmo. Já tô vendo ele
crucificadinho, crucificadinho.
Visão parecida se vislumbra num bordel da São
Jorge e nas falas da Rufina.
-- Deixou apedrejar a gente, num foi?
Entonces, agora é nóis quem apedreja ele com esses daí – os tais dito pelo
jornal.
-- E como a gente topamos com eles?
-- Ora Maria Monga, onde a gente levanta a
força? Na rua!
Justamente o que o fiscal Marcelino mais
teme: o ajuntamento da miséria pouco é bobagem. Santo pai, cuide da minha frota!
Um pedido pertinente, a julgar pelo que se
ouve ao redor da Vermelhinha.
-- Os conjurados têm razão. O governo faz da
gente gato e sapato. Tá na hora de mostrar a nossa indignação.
-- Eu tô junto. Quero mais a confusão geral.
-- A patrulha vem pra cima e ó, sova n’ocês!
-- Quero ver! Meto o andante nas partes do
primeiro que riscar na frente.
Determinação semelhante se expressa na venda Todos os Santos.
-- Só tá perdido o que não tem dono, diz um
revigorado Manuel do Porto para um grupo de comerciantes desapropriados. É hora
de juntar a força de outro modo.
-- Se cada um ajudar, o povo vai pras ruas,
completa Fortunato.
Ao lado do patrão está Correia, satisfeito
com o convencimento em curso.
Outros convencimentos evoluem no porão de um
navio, com o serviço de descarga esperando o final da pregação. O pregador é Touro.
-- A abolição não tá completa. E o embelezamento
da cidade não traz ganho pra gente, nem as obras do porto. É tudo pra inglês
ver e o mesmo de sempre pra nós. Rachar o lombo sem ver melhoria. Agora, se querem
mudar as coisas. Ser emancipado pra valer, homem respeitado pela mulher e pelos
filhos, junte ao movimento. É hora de derrubar esse governo e acabar com esse
progresso de merda.
No morro da Conceição, com vista para o
navio, um homem magro, negro, sentado à soleira do seu barraco, dedilha a viola
e entoa a sua mais nova criação.
-- Avançam a picareta e a injeção, o palacete
e o casebre. Os deputados também avançam e nos réis da nação. Os senadores
correm pra não ficar de fora, entram na lambança e no avanço todos vão. Avança Progresso! É o doutor e o
fidalgo a cantar. E lá vai o coió do povo puxando tanto avanço que nem fiel em
procissão.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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