quarta-feira, 24 de junho de 2015

Capítulo Cento e Um

A PREGAÇÃO DA CONSPIRAÇÃO


Theodoro lê a nota do governo publicada no Imparcial. Porém, quando o sol alcança o alto do céu, O Farol derrama sua luz, num clarão incomum ao meio-dia. O rosto do secretário de governo se sombreia ao ver o conteúdo exclusivo impresso no jornal da oposição. Como tiveram acesso? Espantado, passa os olhos na crítica que ridiculariza a mensagem assinada por Silva Castro.
“A perversidade humana, sobretudo quando aguçada pelo interesse ambicioso, é fértil em encontrar, nos mais fúteis pretextos, nos acontecimentos mais insignificantes, um campo vasto para o seu gênero predileto de explorações. Desta vez, fatos não faltaram para arrastar o chefe de polícia pelo ridículo dessa denúncia, que ficará como outra nota triste da sua administração, eivada de idênticos sinais da sua reconhecida inépcia e absoluta incompetência.”
Mal digeriu o vazamento da informação, BV o avisa de que o Prefeito acaba de assinar o decreto que proíbe a concessão de privilégios para qualquer aplicação de energia elétrica. Deixa o Palácio em direção ao escritório de Ernesto, onde irá tomar providências que impeçam os sócios principais de serem pegos de surpresa.
A repercussão da denúncia de subversão circula pela cidade. Apoios ao Chefe de Polícia são ouvidos num café.
-- O homem não dorme em serviço.
-- Melhor pecar pelo excesso que pela falta.
Avaliações são feitas também ao balcão de um quiosque.
-- Silva Castro é um pau de dois bicos, com os graúdos, uma dama, com os miúdos, o demônio.
-- Tome tento, gente, onde tem onça, macaco não pia.
-- Arre, Matias. Tu és mesmo um moleirão.
-- Num tão vendo que num pode falar mal do governo?
Porém o povo fala e até na delegacia.
-- É um desarvorado. Onde já se viu fazer essa publicação. A imprensa vai acabar com a raça do Silva Castro, profetiza Barroso.
-- Todinha? Num sei, não, responde um cabreiro Raposo.
-- Pois te digo, todinha. Perderam vendas ganhas pelo Imparcial e pelo Farol. Farão o sonso pagar a conta.
-- Chi, é mesmo. Já tô vendo ele crucificadinho, crucificadinho.
Visão parecida se vislumbra num bordel da São Jorge e nas falas da Rufina.
-- Deixou apedrejar a gente, num foi? Entonces, agora é nóis quem apedreja ele com esses daí – os tais dito pelo jornal.
-- E como a gente topamos com eles?
-- Ora Maria Monga, onde a gente levanta a força? Na rua!
Justamente o que o fiscal Marcelino mais teme: o ajuntamento da miséria pouco é bobagem. Santo pai, cuide da minha frota!
Um pedido pertinente, a julgar pelo que se ouve ao redor da Vermelhinha.
-- Os conjurados têm razão. O governo faz da gente gato e sapato. Tá na hora de mostrar a nossa indignação.
-- Eu tô junto. Quero mais a confusão geral.
-- A patrulha vem pra cima e ó, sova n’ocês!
-- Quero ver! Meto o andante nas partes do primeiro que riscar na frente.
Determinação semelhante se expressa na venda Todos os Santos.
-- Só tá perdido o que não tem dono, diz um revigorado Manuel do Porto para um grupo de comerciantes desapropriados. É hora de juntar a força de outro modo.
-- Se cada um ajudar, o povo vai pras ruas, completa Fortunato.
Ao lado do patrão está Correia, satisfeito com o convencimento em curso.
Outros convencimentos evoluem no porão de um navio, com o serviço de descarga esperando o final da pregação. O pregador é Touro.
-- A abolição não tá completa. E o embelezamento da cidade não traz ganho pra gente, nem as obras do porto. É tudo pra inglês ver e o mesmo de sempre pra nós. Rachar o lombo sem ver melhoria. Agora, se querem mudar as coisas. Ser emancipado pra valer, homem respeitado pela mulher e pelos filhos, junte ao movimento. É hora de derrubar esse governo e acabar com esse progresso de merda.
No morro da Conceição, com vista para o navio, um homem magro, negro, sentado à soleira do seu barraco, dedilha a viola e entoa a sua mais nova criação.
-- Avançam a picareta e a injeção, o palacete e o casebre. Os deputados também avançam e nos réis da nação. Os senadores correm pra não ficar de fora, entram na lambança e no avanço todos vão.  Avança Progresso! É o doutor e o fidalgo a cantar. E lá vai o coió do povo puxando tanto avanço que nem fiel em procissão.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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