sexta-feira, 12 de junho de 2015

Oitenta e Cinco

O JOGO DE BÚZIOS


Domingo frio – e quieto na casa de Sinhá Cota. Tudo por causa da falta de notícias de Juliano. Após o almoço, as mulheres arrumaram a cozinha e se recolheram para a sesta. Menos Divina que atende Touro na saleta do oratório. 
-- Ando metido numas coisas, inclusive, depois daqui, vou pro um encontro com o povo que tá junto. Sinto que o bicho vai pegar. Então pensei na senhora para deitar os olhados necessários e dar a devida orientação.
Divina pede autorizações aos orixás. Permissão dada, a mulher joga os búzios. Não gosta do que vê. Pega três conchas e as lança. Entende melhor o recado dos guias.
-- Seu Touro, quem fala é Exu e também Oxóssi. Aconselham força porque o senhor tá correndo risco de desgosto. Tem confusão, intriga, malquerença à vista.
-- Com o meu povo? Não pode ser! Confere aí, minha santa!
Divina joga de novo.
-- Veio Xangó. Não tá metido com nada de errado não, tá?
-- Bom, aí é questão de opinião, se a senhora me entende? Mas do lado que eu tô, tem gente de bem e um doutor honrado e fardado a instruir as ideias.
-- Olhe, lá, hein? Mas se tem a voz de Xangó, tem justiça também.
-- É pra isso que a gente luta.
-- Só que não sei dizer se é justiça feita ou confusão com a justiça.
-- Vê se eu tó guarnecido, e, depois, a minha gente.
Os búzios são lançados.
-- Ih, seu Touro! Iansã diz que vai mandar ventos, raios e tempestade.
-- Saio inteiro?
Conchas jogadas, Divina observa a disposição da queda. Touro aflige.
-- Quem tá falando?
-- Muito santo. Exu veio de novo e alembra que tem fuxico, engano, confusão. Penso se não tem mandiga feita pra outro, que desvia e pega no senhor. Veja bem o caminho que cruza, com quem palestra, até porque quem fala aqui é Obaluaê. E a fala é coisa de saúde, assunto de varioloso. Nada de brigar com as autoridades sanitárias, beber e ficar com o corpo fraco para a pustulenta te pegar.
-- Crem Deus pai! A coisa tá braba!
-- Mas pode confiar. Nanã das causas impossíveis tá juntinho do senhor.
-- Salve, Nanã!
-- Melhor te benzer.
-- E o povo que tá comigo?
-- Primeiro eu cuido do senhor, depois deito os olhados pros outros.
Divina prepara a defumação. Ao iniciar o rito, a porta da rua se abre, a saleta se lota de guardas e o fiscal Raposo dá a voz de prisão.
-- Sinto muito – e com vossa licença, mas por ordem superior, os dois estão presos por curandeirismo, sortilégio e magia.
-- Só por cima do meu cadáver, fala Touro se levantando, pronto para a luta. 
Guardas se atracam com o estivador e outros seguram Divina. Raposo apita. Mais policiais entram. Delfina surge e aterroriza-se diante dos homens embolados. Fúria contida, os búzios, o alguidar e o feixe de arruda são recolhidos como prova do fragrante e a benzedeira e o benzido, levados para a delegacia.
Ao sacolejo da carroça, Divina pensa no obstáculo que se ergueu à sua frente e se lembra da montanha avistada há tempos nas cartas do baralho cigano. Entende que os avisos dos orixás eram também para ela.
-- Sinto muito, seu Touro. Exu queria era me avisar nas falas pro senhor.
-- Deixa disso, D. Divina! Quem iria de querer o mal de uma santa tão boa e bem apessoada como a senhora?
-- Ah, tem de tudo no mundo e os caminhos da maldade são muitos.
-- Será que é coisa feita por mandingueira sem a estirpe da senhora?
-- Não sei. Mas Xangó e Nanã são mais fortes. Hão de nos proteger.
A notícia do fatídico se alastra pela São Jorge. Vizinhos se solidarizam com o infortúnio de Divina e acompanham Delfina até a delegacia, enquanto Belizária toma o bonde para pedir ajuda ao patrão.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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