terça-feira, 16 de junho de 2015

Capítulo Noventa

ABALO GRANDE


Herculano dorme mal e acorda preocupado com as deliberações da última reunião. Teme que alianças com as associações operárias dificultem seus planos de poder. Procura Correia, na hora do almoço.
-- Pode circular uma lista contra a vacina entre os conhecidos?
-- Posso, mas vai ter um monte de cruzinha! Nem todos sabem escrever.
-- Põe a cruz e escreve do lado o nome do cidadão e da testemunha.
-- Deixa comigo.
-- Precisaremos também de gente para acompanhar a discussão na Câmara.
-- Aí a coisa complica por causa das faltas no trabalho. Agora quem tá na viração, vai precisar de uns tostões para deixar de lado os ganhos do dia.
-- Vou ver o que posso fazer.  Outro ponto. O grupo irá envolver o CCO na ação.
-- Então é bom o senhor se estreitar com o Vicente, pra nenhum forasteiro querer fazer pouso lá.
-- Falou com Vicente sobre nossos encontros?
-- Por alto. Disse que são palestras cívicas. E, outro dia, contei que o senhor ajudou a livrar o Touro e a D. Divina da prisão. Gostou.
-- Não comentei para os companheiros do jornal sobre nossos encontros.
-- Parece que muita gente não sabe de nada e uns poucos ignoram o tudo, não é Capitão?
A expressão de Herculano se coloriu com uma impavidez denunciatória e Correia o tranquilizou.
-- Tá certo. A desconfiança é a mãe da segurança.
Pressionado pelas circunstâncias e pela crença de que Correia seja o seu sargento, Herculano lhe revela as ações em curso para depor o governo. Não desperta surpresas.
-- Já imaginava isso – eu e o bando todo. Melhor mesmo levar água no bico até botar a força na rua, mas conte pro seu Fortunato. Saber as coisas em primeira mão lustra a cara da gente. Espera ele; já tá para chegar.
-- Tenho aula logo mais. Falo depois.
A conversa ocorre no início da noite. Fortunato ouve sem interromper os planos pensados para mobilizar a população contra a vacina. 
-- Gaivotas em terra, tempestade no mar! O que vem pela frente, Capitão?
-- Um golpe contra o governo.
-- Abalo grande.
-- Necessário para a construção do Estado que queremos.
-- Confio no senhor. E nos outros, posso confiar?
-- Preciso de um tempo maior para responder.
-- Bom então não confia. Nem no pajé escolhido?
-- No momento, é a pessoa mais indicada para pôr o movimento em marcha.
Fortunato intui as intenções de Herculano.
-- E para levar a marcha até o final, em quem confia?
O Capitão amplia seu risco.
-- Penso em alguém que dê a vida pela cooperação entre homens livres.
-- Por acaso estou diante desse alguém, Capitão?
-- Muito me honraria se assim me visse.
-- Quem pestaneja, perde, mas da nascente até o moinho, há léguas de distância para a água vencer.
-- Por isso me aconselho com o senhor para planejar o curso da vitória.
-- Agora sou eu quem precisa de um tempo para pensar.
-- Entendo que...
-- Preciso pensar. O senhor pode não obter a vitória, contudo, pode ajudar a mostrar para esse governo que eles não vieram do céu. Foram paridos na terra e ao pó da terra hão de voltar.
Apertos de mão selam o possível pacto conspiratório.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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