DE SABIÁ LARANJEIRA E DE BELIZÁRIA
Manhã
de sábado e de faxina completa no casarão de Botafogo. Sentado à escrivaninha
da biblioteca, Herculano não encontra o fio da meada que quer escrever. De fora
chega o trilado de um Sabiá Laranjeira. Agudo, parece riscar o cérebro. E há a voz
de Belizária, que conta casos à diarista Concheta enquanto limpam as janelas externas
da biblioteca. Onde está Páscoa, que não
vê esse falatório?
Está
no caramanchão bordando com Sofia. Na noite anterior, Herculano a deixou
falando sozinha, exasperado com a sua insistência em conversar sobre a relação.
Não quer pedir a intervenção da esposa para cessar o falatório. Receia agravar as
distensões matrimoniais com reclamações. Assim, suporta a conversa das
empregadas.
Tião
chega do arraial de Copacabana. À cozinha, se assusta com a notícia dada por
Quitéria de que o açougueiro Custódio morreu.
--
Não pode ser. Tive com ele ainda outro dia e estava forte como um touro.
--
Foi de repente. Pergunta pra Belizária que ela te conta.
Chateado,
Tião ouve sobre o triste fim do velho conhecido.
--
Na quinta, seu Custódio acordou embrulhado. Abriu o açougue e trabalhou. Ali,
pela tardinha, ruim de tudo, mandou chamar Divina pra benzer ele. Vê?! Parecia
que tava adivinhando. Divina foi, sabe como ela é? Boa demaisss.
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Não olha quem, só a precisão.
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É. Assim mesmo.
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Pois então. Encontrou seu Custódio jururuuuu, jururuuuu: febre, enjoo, dor nos
quartos. Orou, benzeu, deu chá, cuidou e ficou. De tanto a Esmeralda falar que
ele tava bom, foi embora. Mas foi, com um aperrrto no coração, daqueles
enorrrme...
--
Thurururu... Thurururu... Thrurururu...
Assim não dá! Herculano se ergue e caminha
para a janela.
--
Divina voltou no dia seguinte, deu de cara com o médico doutor. Assuntou sobre
o estado do seu Custódio e o outro disse: -- isso é peste!
Herculano
para.
--
Obaluaê me livre desse mal, invoca Concheta.
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O doutor chamou a Brigada.
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Como sabe, seu Tião?
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É a ordem.
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Ô, se é! Os homens picaram nele a terrííível e o que era ruim ficou pior.
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Santo pai!
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O que aconteceu?
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Custódio tremeu, suou, agonizou e bateu as botas.
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Não é possível...
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Triste, não?
--
Tristeza é pouco, Concheta. Não te
contei não o que fizeram depoisss?
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Do caixão?
--
O que fizeram?
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Quiseram enterrar logo o corpo pra esconder que a pustulenta matou ele. Só que
na pressa, a Brigada arrumou um caixão que metade do corpo ficou pra fora.
Tenta daqui, tenta dali, desistiram. Tiveram que arrumar outro. Até que foi bom
porque deu tempo de chamar a filha, que mora lá pros lados da Pavuna, e dar pro
seu Custódio um enterro cristão. Vai ser hoje de tardinha. A gente bem que
podia ir, né?
--
Vou falar com o capitão.
Herculano
já sabe o que escrever. Em pouco tempo, parte para levantar mais informações à
Rua do Mercado, em companhia do Tião.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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