sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo Setenta e Cinco

DE SABIÁ LARANJEIRA E DE BELIZÁRIA


Manhã de sábado e de faxina completa no casarão de Botafogo. Sentado à escrivaninha da biblioteca, Herculano não encontra o fio da meada que quer escrever. De fora chega o trilado de um Sabiá Laranjeira. Agudo, parece riscar o cérebro. E há a voz de Belizária, que conta casos à diarista Concheta enquanto limpam as janelas externas da biblioteca. Onde está Páscoa, que não vê esse falatório?
 Está no caramanchão bordando com Sofia. Na noite anterior, Herculano a deixou falando sozinha, exasperado com a sua insistência em conversar sobre a relação. Não quer pedir a intervenção da esposa para cessar o falatório. Receia agravar as distensões matrimoniais com reclamações. Assim, suporta a conversa das empregadas.
Tião chega do arraial de Copacabana. À cozinha, se assusta com a notícia dada por Quitéria de que o açougueiro Custódio morreu.
-- Não pode ser. Tive com ele ainda outro dia e estava forte como um touro.
-- Foi de repente. Pergunta pra Belizária que ela te conta.
Chateado, Tião ouve sobre o triste fim do velho conhecido.
-- Na quinta, seu Custódio acordou embrulhado. Abriu o açougue e trabalhou. Ali, pela tardinha, ruim de tudo, mandou chamar Divina pra benzer ele. Vê?! Parecia que tava adivinhando. Divina foi, sabe como ela é? Boa demaisss.
-- Não olha quem, só a precisão. 
-- É. Assim mesmo.
-- Pois então. Encontrou seu Custódio jururuuuu, jururuuuu: febre, enjoo, dor nos quartos. Orou, benzeu, deu chá, cuidou e ficou. De tanto a Esmeralda falar que ele tava bom, foi embora. Mas foi, com um aperrrto no coração, daqueles enorrrme...
-- Thurururu... Thurururu... Thrurururu...
Assim não dá! Herculano se ergue e caminha para a janela.
-- Divina voltou no dia seguinte, deu de cara com o médico doutor. Assuntou sobre o estado do seu Custódio e o outro disse: -- isso é peste!
Herculano para.
-- Obaluaê me livre desse mal, invoca Concheta.
-- O doutor chamou a Brigada.
-- Como sabe, seu Tião?
-- É a ordem.
-- Ô, se é! Os homens picaram nele a terrííível e o que era ruim ficou pior.
-- Santo pai!
-- O que aconteceu?
-- Custódio tremeu, suou, agonizou e bateu as botas.
-- Não é possível...
-- Triste, não?
-- Tristeza é pouco, Concheta.  Não te contei não o que fizeram depoisss?
-- Do caixão?
-- O que fizeram?
-- Quiseram enterrar logo o corpo pra esconder que a pustulenta matou ele. Só que na pressa, a Brigada arrumou um caixão que metade do corpo ficou pra fora. Tenta daqui, tenta dali, desistiram. Tiveram que arrumar outro. Até que foi bom porque deu tempo de chamar a filha, que mora lá pros lados da Pavuna, e dar pro seu Custódio um enterro cristão. Vai ser hoje de tardinha. A gente bem que podia ir, né?
-- Vou falar com o capitão.
Herculano já sabe o que escrever. Em pouco tempo, parte para levantar mais informações à Rua do Mercado, em companhia do Tião.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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