RELAÇÃO BATIZADA
O
sol brilha alto quando Grego surge na casa da Glória. Surpreende-se com Páscoa
à espera no jardim, depois com o modo desalentado com que ela se lança nos seus
braços, tão logo os dois entram na sala.
--
Hei, Vida, o que houve?
Páscoa
estreita o abraço. Grego a indaga novamente.
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Algum problema em casa?
--
Não.
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Então o que se passa?
--
Estou com medo.
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Da agitação na rua?
--
Também não.
Grego
a afasta do seu corpo pelos ombros.
--
Que tal dizer o que acontece.
--
Conversei com Maria Luísa sobre nós.
O
desconforto anuvia o rosto masculino: Por que contou? Não tinha nada que falar. Caminha ao sofá, onde põe o fardel
que trazia.
--
Nossa história não diz respeito a ninguém.
Páscoa
procura se justificar e se aproxima.
--
É uma amiga querida e de confiança. Além do mais, viveu algo parecido. Certa
vez, não muito tempo atrás, teve um relacionamento...
--
O que contou para ela?
A
interrupção a assusta.
--
Falei sobre a gente. Estávamos conversando e Maria Luísa me confidenciou sobre
o seu envolvimento com um professor...
--
Sei e daí?
--
Por que está me interrompendo assim?
A
rispidez batiza a relação.
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Porque não me interessa saber sobre a vida dela, mas, sim, se ameaçou, se vai
ajudar, se deu uma solução.
O
silêncio pesa e é quebrado por Páscoa.
--
Maria Luísa está preocupada, explicou os riscos que vivo e me aconselhou.
--
Com que você concorda do que ela disse?
Há a insegurança em responder com a mesma
objetividade da indagação.
--
Tornar a minha situação ainda mais difícil.
Grego
balança a cabeça de um lado para outro, indo em direção ao piano.
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Sensato.
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A mesma palavra que ela usou.
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O que quer fazer?
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Aguardar o melhor momento para pedir a separação.
A
declaração amplia receios.
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Pensa também em contar sobre nós?
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Não. Mas Herculano pressionará quem puder para saber se omiti algo.
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E?
--
É rígido, orgulhoso. Tenho medo da reação dele.
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Irá querer duelar ou me mandar matar?
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Nem fale isso.
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Tempestade à vista, Capitão, exclama Grego recuando o corpo para trás.
Páscoa se aproxima.
--
Não faça troça. É sério.
Grego
sabe que sim, como também sempre soube que essa tempestade poderia desabar. No
entanto, voltou saudoso da turnê, levantou de novo a âncora do barco e o deixou
fluir em alto-mar, confiando na sorte. E, quando a embarcação bate no recife, o
que sente? Hesitação e pressão quanto à decisão que tem de tomar: mudar o
traçado da sua vida ou deixar o amor lhe escapar mais uma vez? Não tinha que
ter dito nada para ninguém. Faz um gesto de indecisão com as mãos, como se
perguntasse “e agora?”.
Justamente
o contrário do esperado por Páscoa. Imaginava um abraço carinhoso e uma fala
segura: “Coragem. Estou com você”. Não essa insossa atitude, após uma incisiva
rispidez. Senta-se na banqueta do piano, enquanto Grego abre a porta dupla e
sai para o jardim. A claridade ensolarada penetra o espaço... Páscoa o vê de
costas, com o céu azul ao fundo e banhado da luz que fere seus olhos, sua
sensibilidade. Pensa em Bovary. Em silêncio, parte. Lágrimas escorrem ladeira
abaixo.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005
by Maria Tereza O. S. Campos
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