terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Capítulo Cinquenta e Quatro

RELAÇÃO BATIZADA


O sol brilha alto quando Grego surge na casa da Glória. Surpreende-se com Páscoa à espera no jardim, depois com o modo desalentado com que ela se lança nos seus braços, tão logo os dois entram na sala.
-- Hei, Vida, o que houve?
Páscoa estreita o abraço. Grego a indaga novamente.
-- Algum problema em casa?
-- Não.
-- Então o que se passa?
-- Estou com medo.
-- Da agitação na rua?
-- Também não.
Grego a afasta do seu corpo pelos ombros.
-- Que tal dizer o que acontece.
-- Conversei com Maria Luísa sobre nós.
O desconforto anuvia o rosto masculino: Por que contou? Não tinha nada que falar. Caminha ao sofá, onde põe o fardel que trazia. 
-- Nossa história não diz respeito a ninguém.
Páscoa procura se justificar e se aproxima.
-- É uma amiga querida e de confiança. Além do mais, viveu algo parecido. Certa vez, não muito tempo atrás, teve um relacionamento...
-- O que contou para ela?
A interrupção a assusta.
-- Falei sobre a gente. Estávamos conversando e Maria Luísa me confidenciou sobre o seu envolvimento com um professor...
-- Sei e daí?
-- Por que está me interrompendo assim?
A rispidez batiza a relação.
-- Porque não me interessa saber sobre a vida dela, mas, sim, se ameaçou, se vai ajudar, se deu uma solução.
O silêncio pesa e é quebrado por Páscoa.
-- Maria Luísa está preocupada, explicou os riscos que vivo e me aconselhou.
-- Com que você concorda do que ela disse?
 Há a insegurança em responder com a mesma objetividade da indagação.
-- Tornar a minha situação ainda mais difícil.
Grego balança a cabeça de um lado para outro, indo em direção ao piano.
-- Sensato.
-- A mesma palavra que ela usou.
-- O que quer fazer?
-- Aguardar o melhor momento para pedir a separação.
A declaração amplia receios.
-- Pensa também em contar sobre nós?
-- Não. Mas Herculano pressionará quem puder para saber se omiti algo.
-- E?
-- É rígido, orgulhoso. Tenho medo da reação dele.
-- Irá querer duelar ou me mandar matar?
-- Nem fale isso.
-- Tempestade à vista, Capitão, exclama Grego recuando o corpo para trás.
Páscoa se aproxima.
-- Não faça troça. É sério.
Grego sabe que sim, como também sempre soube que essa tempestade poderia desabar. No entanto, voltou saudoso da turnê, levantou de novo a âncora do barco e o deixou fluir em alto-mar, confiando na sorte. E, quando a embarcação bate no recife, o que sente? Hesitação e pressão quanto à decisão que tem de tomar: mudar o traçado da sua vida ou deixar o amor lhe escapar mais uma vez? Não tinha que ter dito nada para ninguém. Faz um gesto de indecisão com as mãos, como se perguntasse “e agora?”.
Justamente o contrário do esperado por Páscoa. Imaginava um abraço carinhoso e uma fala segura: “Coragem. Estou com você”. Não essa insossa atitude, após uma incisiva rispidez. Senta-se na banqueta do piano, enquanto Grego abre a porta dupla e sai para o jardim. A claridade ensolarada penetra o espaço... Páscoa o vê de costas, com o céu azul ao fundo e banhado da luz que fere seus olhos, sua sensibilidade. Pensa em Bovary. Em silêncio, parte. Lágrimas escorrem ladeira abaixo.  

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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