AINDA VOU ME SEPARAR DE VOCÊ
Julho começa. Sofia, de
férias escolares, movimenta os dias da mãe, mas também rouba sua privacidade.
As caminhadas com a concha são suspensas, as leituras reduzidas e as divagações,
ancoradas pelo bordado, passam a ser entrecortadas pelas conversas da filha.
Grego continua sem dar notícias; as saudades intermitentes pressionam e a
inquietação com o futuro não desgruda, como uma linha que, agarrada à barra da
saia, é levada junto para onde se vai.
É noite. Sofia já se
recolheu. Herculano está na biblioteca e Páscoa borda na sala, desassossegada
com a sua imobilidade para pedir a separação. Num impulso, levanta-se e penetra
a biblioteca. Encontra Herculano sentado à escrivaninha. Parece contemplar o
quadro da República. Irrita-se com o foco daquele olhar e o marido com a
interrupção.
-- O que houve?
-- Precisamos
conversar, diz Páscoa com o coração sobressaltado.
-- Sobre o quê?
-- Sobre nós, esclarece
e se senta na cadeira em frente.
-- O que temos a falar
sobre nós, que desconheço?
-- É esta a vida que
você quer?
-- Não vejo sentido na
pergunta.
-- Tem sim: para saber
o que vale a pena viver e decidir sobre o que não vale.
Herculano estranha a
colocação. Achava a mulher tão cordata nos últimos tempos.
-- Pode ir direto ao
assunto? O que realmente quer dizer?
Páscoa sente a
oportunidade para pedir a separação. Mas a insegurança surge e embola as
palavras em sua boca. Variações são ditas.
-- O que estamos
fazendo com as nossas vidas? Não quer ser feliz?
-- Francamente, Páscoa.
Não me venha com metafísica a esta hora da noite. Tenho mais o que fazer.
-- Penso se não existe
outra possibilidade para nós.
-- A possibilidade que
temos é esta. E se houver outra, eu a identificarei. Agora, me dê licença.
Preciso me concentrar e trabalhar, diz e abre um caderno sobre a mesa.
Páscoa põe a mão sobre
as folhas abertas. Herculano enerva-se.
-- Por favor, sem
encenações.
-- Não vê que está cada
vez mais distante, fechado em seu mundo? Receio não ser a mulher certa para
você.
O marido ruboriza. Toma
a declaração como uma cobrança. Sabe-se em falta com o dever conjugal. Desde o
descontrole na cama, após a ópera, tem procurado menos pela esposa. Teme que o
desejo sexual destemperado corrompa a virtude marital. Mas não cabe à esposa
tal questionamento.
-- Vamos pôr um fim
nesta conversa.
-- Não. Precisamos
conversar. Impossível continuar neste faz de conta.
Pressionado, Herculano
se levanta e deixa à escrivaninha.
-- Aonde vai?
Sem responder, o marido
deixa a biblioteca.
-- Espere, não aja
assim.
Quando Páscoa alcança o
vestíbulo, a porta da rua já se fecha. O silêncio imposto à força faz o da
noite parecer maior. A vontade é ir atrás, se atracar com Herculano, com aquela
insensível e odiosa autonomia que o leva a sair da cena conforme lhe convém.
Controla-se e faz um juramento: Você vai ver, ainda vou me separar de você.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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