NÃO POSSO
Amanhece.
Grego esconde uma escada no sopé do morro diante dos fundos do casarão. Em
seguida, sobe a encosta de onde avista o portão da propriedade.
Páscoa
fecha a maleta com roupas dentro. Uma sacola está ao lado. Abre a gaveta da
cômoda e retira as joias ali escondidas. Coloca todas em uma fronha de
travesseiro. Dá um nó e guarda o volume na sua bolsa. Depois esconde a bagagem debaixo
da cama. Recua com a expressão concentrada e o peito atravessado pela dor
inevitável que terá que causar a Sofia para criar um novo tempo.
Transcorre
a manhã. Do posto de observação, Grego avista Tião deixar o casarão. Estranha
não ter visto Herculano sair se o dia é de comício. Arrisca-se. Desce o morro,
retira a escada do esconderijo e a ampara no muro do casarão. Como um ladrão,
penetra a propriedade e surpreende Quitéria no quintal com uma arma na mão.
--
Onde está o Capitão?
--
Santo pai! Guarde essa arma e suma daqui.
--
Ele está em casa?
--
Não, mas pelo amor de Deus não faça uma loucura.
--
Leve-me até Páscoa?
--
Deixa ela quieta e vá buscar a amiga advogada. Ensino o caminho.
Grego
não a ouve e a força fazer o que ele quer.
Porta
aberta, Páscoa corre para os braços de Grego, que se compadece diante das
marcas no seu rosto.
--
Apresse-se, vamos dar o fora.
Quitéria
se desorienta ao ver Páscoa pegar as bagagens e entregá-las para Grego, que se
afasta em direção à porta.
--
Filha, o que vai fazer?
--
Vou pedir guarida para Maria Luísa.
--
Não. Será lá a primeira casa que seu marido irá procurar você. Traga Sofia,
Dona Quitéria.
--
Ela não vai.
Grego
se surpreende com a declaração de Páscoa. Quitéria a abraça.
-- O que será de nós?
--
Precisamos ir, insiste Grego.
Páscoa
se solta da ama e sai sem olhar para trás. Atravessa o corredor como se
caminhasse contra uma rajada de vento. A escada lhe parece um abismo.
Quitéria
não se contém. Destranca Sofia, que corre para o quarto vazio da mãe e depois
pelo corredor afora, seguida por Belizária. No alto da escada, grita.
--
Mãe.
Páscoa
para no último degrau. Vira-se e vê o semblante aterrorizado da filha. Ouve um
zumbido forte, como se fosse o som do mar. Sente o chão se erguer como uma
vaga. Tudo fica escuro... Grego solta as bagagens e abraça o corpo em vertigem.
Por um instante, Páscoa não se mexe, atordoada. Ergue a face marcada por um dolorido
desalento. O olhar de Grego a cobre.
--
Coragem. Estou com você.
--
Não posso deixar Sofia.
--
Claro que não. Ela vem com a gente.
--
Não compreende? Eu não posso ir.
Perplexo,
Grego a solta.
--
É loucura ficar.
--
Pior fugir. Por favor, busque Maria Luísa.
--
Tem noção do que me pede?
--
Quero o amparo da lei e que você se proteja.
--
Pare de dizer isso e vamos dar o fora daqui.
--
Não posso abandonar o lar.
--
Está correndo risco de vida.
--
Quem irá provar? O amante?
--
Sim e quem puder. Venha Sofia.
A
menina não se mexe estarrecida com a mãe querer fugir, deixando-a para trás.
--
Não torne tudo mais difícil.
--
Você é que está complicando tudo.
Páscoa
lhe dá as costas e se apoia no corrimão da escada.
--
Vá enquanto ainda pode me ajudar.
Grego
sente-se um otário por ter invadido o casarão a troco de nada, um estúpido por
ter querido mudar sua vida para proteger Páscoa.
--
Essa é a última vez que peço para vir comigo.
--
Por favor, não perca um tempo que me é precioso.
--
Se é isso o que quer, eu o farei.
Ao
vê-lo caminhar, Quitéria cutuca Belizária.
--
Ande, acompanhe o moço.
A
criada obedece de pronto e a ama enlaça Sofia.
--
Vamos deixar sua mãe quieta.
A
menina se desvencilha dos braços da ama, mira Páscoa e grita:
--
Odeio você.
Quitéria
não sabe quem acode se Sofia, que corre para o quarto, ou Páscoa, que se
encolhe lá embaixo.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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