terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Capítulo Sessenta e Três

NÃO POSSO


Amanhece. Grego esconde uma escada no sopé do morro diante dos fundos do casarão. Em seguida, sobe a encosta de onde avista o portão da propriedade.
Páscoa fecha a maleta com roupas dentro. Uma sacola está ao lado. Abre a gaveta da cômoda e retira as joias ali escondidas. Coloca todas em uma fronha de travesseiro. Dá um nó e guarda o volume na sua bolsa. Depois esconde a bagagem debaixo da cama. Recua com a expressão concentrada e o peito atravessado pela dor inevitável que terá que causar a Sofia para criar um novo tempo.
Transcorre a manhã. Do posto de observação, Grego avista Tião deixar o casarão. Estranha não ter visto Herculano sair se o dia é de comício. Arrisca-se. Desce o morro, retira a escada do esconderijo e a ampara no muro do casarão. Como um ladrão, penetra a propriedade e surpreende Quitéria no quintal com uma arma na mão.
-- Onde está o Capitão?
-- Santo pai! Guarde essa arma e suma daqui.
-- Ele está em casa?
-- Não, mas pelo amor de Deus não faça uma loucura.
-- Leve-me até Páscoa?
-- Deixa ela quieta e vá buscar a amiga advogada. Ensino o caminho.
Grego não a ouve e a força fazer o que ele quer.
Porta aberta, Páscoa corre para os braços de Grego, que se compadece diante das marcas no seu rosto.
-- Apresse-se, vamos dar o fora.
Quitéria se desorienta ao ver Páscoa pegar as bagagens e entregá-las para Grego, que se afasta em direção à porta.
-- Filha, o que vai fazer?
-- Vou pedir guarida para Maria Luísa.
-- Não. Será lá a primeira casa que seu marido irá procurar você. Traga Sofia, Dona Quitéria.
-- Ela não vai.
Grego se surpreende com a declaração de Páscoa. Quitéria a abraça.
 -- O que será de nós?
-- Precisamos ir, insiste Grego.
Páscoa se solta da ama e sai sem olhar para trás. Atravessa o corredor como se caminhasse contra uma rajada de vento. A escada lhe parece um abismo.
Quitéria não se contém. Destranca Sofia, que corre para o quarto vazio da mãe e depois pelo corredor afora, seguida por Belizária. No alto da escada, grita.
-- Mãe.
Páscoa para no último degrau. Vira-se e vê o semblante aterrorizado da filha. Ouve um zumbido forte, como se fosse o som do mar. Sente o chão se erguer como uma vaga. Tudo fica escuro... Grego solta as bagagens e abraça o corpo em vertigem. Por um instante, Páscoa não se mexe, atordoada. Ergue a face marcada por um dolorido desalento. O olhar de Grego a cobre.
-- Coragem. Estou com você.
-- Não posso deixar Sofia.
-- Claro que não. Ela vem com a gente.
-- Não compreende? Eu não posso ir.
Perplexo, Grego a solta.
-- É loucura ficar.
-- Pior fugir. Por favor, busque Maria Luísa.
-- Tem noção do que me pede?
-- Quero o amparo da lei e que você se proteja.
-- Pare de dizer isso e vamos dar o fora daqui.
-- Não posso abandonar o lar.
-- Está correndo risco de vida.
-- Quem irá provar? O amante? 
-- Sim e quem puder. Venha Sofia.
A menina não se mexe estarrecida com a mãe querer fugir, deixando-a para trás.
-- Não torne tudo mais difícil.
-- Você é que está complicando tudo.
Páscoa lhe dá as costas e se apoia no corrimão da escada.
-- Vá enquanto ainda pode me ajudar.
Grego sente-se um otário por ter invadido o casarão a troco de nada, um estúpido por ter querido mudar sua vida para proteger Páscoa.
-- Essa é a última vez que peço para vir comigo.
-- Por favor, não perca um tempo que me é precioso.
-- Se é isso o que quer, eu o farei.
Ao vê-lo caminhar, Quitéria cutuca Belizária.
-- Ande, acompanhe o moço.
A criada obedece de pronto e a ama enlaça Sofia.
-- Vamos deixar sua mãe quieta.
A menina se desvencilha dos braços da ama, mira Páscoa e grita:
-- Odeio você.
Quitéria não sabe quem acode se Sofia, que corre para o quarto, ou Páscoa, que se encolhe lá embaixo.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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