sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Capítulo Quarenta e Sete

CONFIDÊNCIAS


Certa noite, Herculano comenta a sua agenda da semana, com um dia todo fora e em data que coincide com a dos serviços do Tião longe do arraial de Copacabana. Na primeira oportunidade, Páscoa convida Maria Luísa para aproveitar essa ausência e conhecer o sobrado. Eufóricas preparam a façanha e partem para vivê-la.
Durante horas de farta liberdade, confidências são aprofundadas. Maria Luísa revela o segredo da sua vida: a entrega a um professor da faculdade, que a abandonou para se casar com outra, em meio a um romance com ela. Páscoa observa a expressão segura se apagar no rosto da amiga.   
-- Não foi fácil. E ainda não é. Sinto uma pressão no peito quando falo dele.
-- Não poderia ser diferente. Você o amou.
-- Li em algum lugar que a inocência perdida jamais é recuperada. Temo nunca mais amar alguém com tanta intensidade.
-- Compreendo. Mas torço para que a pequenez alheia não silencie o seu coração. Tem uma natureza tão forte, exuberante, e é livre para viver um novo amor. Isso é uma dádiva. Como busco ser brindada por ela.
-- Por que diz isso?
-- Venha, vamos tomar um chá enquanto te conto uma história.
O enredo se revela entre o capim-cheiroso apanhado na horta e o chá saboreado à mesa da cozinha. Grego, conhecido até então por Maria Luísa apenas como o banhista profissional que levou a amiga ao mar, ganha nome e sobrenome, outra profissão e papel diferenciado em uma narrativa pontuada por anseios de prazer e de liberdade.
-- Agora compreendo a sua reação quando falei da lei do divórcio.
-- Acha que tenho alguma chance de me separar?
-- Somente se provar maus tratos, risco de vida e abandono de lar.
-- Não existe isso.
-- Outro amor, nem pensar. É adultério. Além de prisão, como já falei, o cônjuge infrator perde a guarda dos filhos.
-- Que horror! Não há espaço para uma decisão comum dos cônjuges?
-- Talvez no futuro. O projeto do novo Código Civil consigna o divórcio por mútuo consentimento, porém precisa ser aprovado. O Capitão quer se separar?
-- Não. Porém, preciso pensar em todas as possibilidades. 
-- Tem trocado cartas com Grego?
-- Também não.
-- Acha que ele volta a procurá-la?
A pergunta fustiga as inseguranças com relação aos sentimentos inconstantes de Grego. Receios são dissimulados com outras apreciações. 
-- O que vivemos foi tão belo, tão mágico! Não há razão para ter-me esquecido.
-- Ah, os homens! São exímios na arte da sedução e insensíveis com os corações que despedaçam. Espero que o que vivi lhe sirva de lição.
-- Grego deu-me alegrias sem me forçar a nada.
-- Mas, por mais encantadores que tenham sido esses encontros, não me parecem algo tão forte assim para você querer jogar o seu casamento pelos ares.
Páscoa se assusta em ter sua vivência julgada.
-- Depois do que vivemos no mar, não precisaria de um encontro a mais para eu ter certeza do bem-querer que temos um pelo outro.
-- Falou-me de momentos mágicos. Pode estar confundindo atração com amor. E há o risco de Grego se encantar com alguém durante essa turnê. É um homem solteiro.
-- Mesmo assim, quero ser dona de mim, como você é.
-- A vida sozinha tem a sua aridez e a de uma divorciada é bastante difícil.
-- Pior ser uma mulher insatisfeita.
-- Bom, se está decidida, seja prática. Com que regime de bens se casou?
-- Parcial.  
-- Preciso ver os documentos do casamento.
-- Creio que só tenho a certidão.
-- Não, deve ter um chamado Pacto Antenupcial. É ele que atesta o dote e outras disposições sobre os bens que tem direito.
-- Vou procurar entre as coisas de Herculano.
-- A melhor saída é convencê-lo a fazer uma separação informal, só entre vocês, até o novo código ser aprovado. Mas, antes disso, guarde em um lugar seguro objetos de valor. Terá como fazer dinheiro no curto-prazo, caso ele use o vil metal para te prender. Nunca se sabe a reação de um homem ferido.
Joias, pratarias, cristais e porcelanas surgem na mente de Páscoa enquanto a casa de Maria Luísa lhe parece ser o local mais adequado para guardar esses bens. No entanto, a ideia de agir sorrateiramente a constrange.
-- Será preciso tanto?
-- Sim e o que mais puder para se proteger. Terá uma guerra pela frente se o capitão não lhe der a separação.  
Páscoa segue os conselhos da amiga. Esconde as joias nas suas gavetas de roupas íntimas e reorganiza as baixelas e adornos de forma diferente para espanto de Quitéria, desassossego de Belizária e curiosidade de Sofia com a nova arrumação. Documentos do casamento são achados e analisados pela advogada. Novos alentos movem as suas caminhadas no jardim, abraçada à concha. Flores se abrem numa primavera antecipada. Só não desabrocha a coragem para pedir a separação. Setembro raia.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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