NA FRONTEIRA DO ILÍCITO
De
novo, a manhã. Páscoa e Sofia se despedem da ama, que avisa que irá caminhar
com elas. O impasse se apresenta e também a tentativa de dissolvê-lo.
--
Sofia, por favor, vá buscar as sombrinhas.
--
Mas pra quê? Estamos de chapéu!
--
Será melhor.
A
menina obedece, mas para no alto da escada. De lá, vigia o que acontece.
--
Venha, mas sem resmungar nem empacar no meio do caminho.
--
Vamos com um pé e voltamos no outro.
--
Com uma parada entre os dois, para além das pedras.
--
Não é o que tô pensando.
--
Pois então não pense.
--
Deixa o Capitão saber!
--
Não saberá, a menos que conte e, se contar, sabe o triste fim que terei.
--
Valei-me, Nossa Senhora e todos os orixás! Isso nunca.
--
Então não se oponha.
--
Mas filha minha, por um triz de nada, a gente escorrega no perigo.
--
Fique com seus medos que já tenho os meus. Se quiser vir, venha e me ajude a
viver a luz desses breves dias.
--
Breves mesmo?
--
Mais longos que os da sua noite de Carnaval.
O
rosto de Quitéria distende-se de assombro. Pensou que ninguém soubesse que ela
e Tião haviam deixado o sobrado desguarnecido, para ver as brincadeiras do Zé
Pereira na cidade.
--
O Capitão não pode saber!
--
Não saberá. Só falei pra você entender que eu também preciso de alegria.
--
Ó filha, o que me pede, ainda mais em véspera de Quaresma?
--
Por favor, Quitéria.
A
ama hesita sem saber o que é pior, se minguar na reclusão sem ter provado a
aventura do amor ou se sofrer as desventuras do proibido.
--
Que Oxalá nos proteja! Vamos.
Páscoa
a abraça, agradecida, enquanto Sofia que, do alto da escada, já dava o passeio
por perdido, entende que deve ir correndo buscar as sombrinhas. É o que faz,
como um azougue.
Desse
passeio em diante, Quitéria passa a esconder de Tião os detalhes de todos os
outros. E conta diligentemente os dias para o fim da quarentena, com a
expectativa de que o retorno da família para Botafogo a livre de suas omissões
e a sua protegida dos tais breves dias. Lá tudo será diferente, pensa, ora e
vigia.
Qual
não é seu desânimo quando Herculano decide postergar a estada no arraial, a
despeito de Dr. Eugênio ter dado alta à paciente. Nem o início para breve das
aulas de Sofia, lembrado por Quitéria, demove o patrão.
--
Isso pode esperar.
Tudo
o mais, não. O que tem urgência para Herculano são seus compromissos na cidade
e é inegável que aprecia a liberdade que desfruta durante a semana, sem ter que
dar a menor satisfação dos seus horários em casa. Da mesma forma aprecia e quer
prolongar um pouco mais a privacidade do casarão de Botafogo somente para si.
Gosta do silêncio e precisa de reclusão para planejar cada passo da consecução
dos objetivos patrióticos que enobrecem sua alma e com os quais está envolvido.
A família fica.
Ao
longo do novo período, as três passam a se encontrar com Grego também na casa
dele. Sentadas à mesa da marcenaria, um puxado do imóvel, ouvem sobre o
estrangeiro, companhias líricas, enredos de óperas, além de casos engraçados da
vida.
Páscoa
entende que somente o belo e o aprazível estimulam esse homem de olhar
penetrante, modos calmos e à vontade com a sua natureza, vestido sempre com
roupas leves e confortáveis. Política e poder jamais fariam sua alma vibrar. Tão diferente de Herculano! Começa a se
ver no arranjo dessa existência, a imaginar como seria fazer parte dessa casa
na curva do morro. Tudo em sonhos, em devaneios, porque no concreto, na
realidade tangível, continua a trafegar em torno do desejo, no limite das
sensações despertadas por essa aventura proibida. Esse é o seu deleite.
O
mesmo não ocorre com Grego. Está louco para ficar a sós com Páscoa, mas não
consegue por causa da presença constante de Quitéria e Sofia, e ainda da falta
de empenho dela própria para criar essa oportunidade. Incomoda-o também a
percepção de que somente ele se revela, como se o único modo de conhecê-la
fosse a partir do que ele tem a dizer. Páscoa pouco fala de si e desdobra o
tema ouvido em novas perguntas que o fazem ficar, sempre, com a palavra. Quando
dá por si, vê que falou o tempo todo e é hora das três partirem. Porém releva a
questão: Não é fácil para uma mulher
casada trocar confidências, menos ainda, lançar-se nos braços de outro homem.
Assim, dança conforme a música. E assim transcorrem os dias pós-quarentena.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by
Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário