domingo, 14 de dezembro de 2014

Capítulo Vinte e Seis

NO BONDE


O bonde segue vagaroso, indiferente a qualquer pressa. Quitéria quer saber o que farão na cidade, mas a ocasião não é própria para conversas e Páscoa, incapaz de qualquer interação nesse momento. Desejo e ansiedade latejam em seu corpo.
A cidade revirada por obras evoca rupturas, mudanças, em meio à permanência do que sobrevive à reforma. Vestidos de decoro e disciplina, os cidadãos suscitam a força das convenções sociais, a conformidade, os limites, as regras que Páscoa ousa pensar em transgredir. Não posso ser uma ave rara. O que se oculta em cada senhor e cada senhora? Que lutas secretas travam consigo mesmos?
Quitéria também rumina os últimos fatos. A visita à costureira transcorreu sem a devida atenção aos modelos mostrados. Nem o preço foi discutido. E com que afoiteza foi aceita a hora para trazer a menina no sábado! Teme o que farão na cidade.
Impaciente com o lento deslocamento, Páscoa decide fazer o percurso final a pé. Quitéria resmunga, mas acata a decisão. Andam pelo estreito espaço da calçada tomada por cordas, pedras, terras e passantes. Chegam à Rua Treze de Maio e ao guichê do Theatro Lyrico. Páscoa fala com o atendente.
-- Procuro o Sr. Nikos Andreadis. Talvez o conheça pelo nome de Grego.
A ama desassossega de vez e o homem responde:
-- Bate no portão da Barão de São Gonçalo.
No burburinho da rua, Quitéria empaca no próprio medo. Quer que Páscoa desista da visita, não atice o perigo. Pede que voltem. Impossível. O desejo pulsa urgente, como o novo rasga o passado da rua, sem fazer concessões.
-- Pelo amor que tem por mim, venha comigo.
As batidas das estacas soam forte. No olhar demandante, Quitéria reconhece a força em comando. Epa hei Oyá, salve Iansã! Como deter o arrebatamento? Mais uma vez, decide seguir junto, proteger Páscoa dos riscos que corre.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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