NO BONDE
O
bonde segue vagaroso, indiferente a qualquer pressa. Quitéria quer saber o que
farão na cidade, mas a ocasião não é própria para conversas e Páscoa, incapaz
de qualquer interação nesse momento. Desejo e ansiedade latejam em seu corpo.
A
cidade revirada por obras evoca rupturas, mudanças, em meio à permanência do
que sobrevive à reforma. Vestidos de decoro e disciplina, os cidadãos suscitam
a força das convenções sociais, a conformidade, os limites, as regras que
Páscoa ousa pensar em transgredir. Não posso ser uma ave rara. O
que se oculta em cada senhor e cada senhora? Que lutas secretas travam consigo
mesmos?
Quitéria
também rumina os últimos fatos. A visita à costureira transcorreu sem a devida
atenção aos modelos mostrados. Nem o preço foi discutido. E com que afoiteza
foi aceita a hora para trazer a menina no sábado! Teme o que farão na cidade.
Impaciente
com o lento deslocamento, Páscoa decide fazer o percurso final a pé. Quitéria
resmunga, mas acata a decisão. Andam pelo estreito espaço da calçada tomada por
cordas, pedras, terras e passantes. Chegam à Rua Treze de Maio e ao guichê do
Theatro Lyrico. Páscoa fala com o atendente.
--
Procuro o Sr. Nikos Andreadis. Talvez o conheça pelo nome de Grego.
A
ama desassossega de vez e o homem responde:
--
Bate no portão da Barão de São Gonçalo.
No
burburinho da rua, Quitéria empaca no próprio medo. Quer que Páscoa desista da
visita, não atice o perigo. Pede que voltem. Impossível. O desejo pulsa
urgente, como o novo rasga o passado da rua, sem fazer concessões.
--
Pelo amor que tem por mim, venha comigo.
As
batidas das estacas soam forte. No olhar demandante, Quitéria reconhece a força
em comando. Epa hei Oyá, salve Iansã! Como deter o arrebatamento? Mais
uma vez, decide seguir junto, proteger Páscoa dos riscos que corre.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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