ÓDIO E REVOLTA
A
noite avança. Paralisados com a própria revolta, Herculano está recluso, na
biblioteca, e Páscoa, no aposento do casal. Sofia se vira na cama, ainda
aturdida com a surpresa de retornar da escola e encontrar a mãe em desgraça. No
seu quarto, a ama reza enquanto defuma o retrato, que pousou com as duas na
cidade, apoiado na imagem de uma santa sobre a mesa. Tião, por sua vez, ronda
pelo lado de fora da biblioteca, temeroso de que uma tragédia aconteça. A
cavalo, com uma sacola às costas, Grego passa pela rua, preocupado com o que se
desenrola no casarão.
Bem
cedo pela manhã, Quitéria e Belizária olham inquietas para o chão da
biblioteca. Herculano está diante delas. Sente-se traído pela tropa da sua
própria casa. Ninguém sabe de nada. Ninguém viu nada. Ninguém fala uma palavra
sequer. Essa resistência silenciosa o estorva. Contudo, não tem como montar uma
nova retaguarda, nem pode dividir energia com a inesperada batalha que eclodiu
em seu lar. O momento exige ação concentrada para o que se preparou ao longo
dos últimos anos e em vias de acontecer nas ruas da cidade. Montará a
emboscada, deixará o inimigo confiante e o pegará na hora certa. Cada um terá a
sua punição.
--
Arrumem minhas coisas em outro quarto. Em casa, Sofia deve permanecer em seu
aposento quando regressar da escola. A alimentação será levada até ela e o
banho acompanhado por uma de vocês. Nenhum contato com a mãe. A mesma ordem se
aplica ao outro quarto, que deverá ser servido e atendido no estrito do
necessário, sem delongas nem prosa. Ninguém recebe visitas ou atende ao portão.
Quando se recolher, Quitéria, deixe a chave nesta gaveta. Cumpram bem suas
obrigações. Responderão por qualquer deslize. Podem ir.
Aliviada,
Quitéria puxa Belizária pela mão. Quer retirá-la dali o mais depressa possível.
Teme que dívidas de gratidão abram sua boca emudecida até o momento.
Tão logo a porta se fecha, Herculano
mira República: nada me derrotará, pensa e sai. No vestíbulo olha para o alto da escada. Um
músculo se contrai no seu rosto. Os dedos das mãos se fecham como garras.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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