terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Capítulo Sessenta

ÓDIO E REVOLTA


A noite avança. Paralisados com a própria revolta, Herculano está recluso, na biblioteca, e Páscoa, no aposento do casal. Sofia se vira na cama, ainda aturdida com a surpresa de retornar da escola e encontrar a mãe em desgraça. No seu quarto, a ama reza enquanto defuma o retrato, que pousou com as duas na cidade, apoiado na imagem de uma santa sobre a mesa. Tião, por sua vez, ronda pelo lado de fora da biblioteca, temeroso de que uma tragédia aconteça. A cavalo, com uma sacola às costas, Grego passa pela rua, preocupado com o que se desenrola no casarão.

Bem cedo pela manhã, Quitéria e Belizária olham inquietas para o chão da biblioteca. Herculano está diante delas. Sente-se traído pela tropa da sua própria casa. Ninguém sabe de nada. Ninguém viu nada. Ninguém fala uma palavra sequer. Essa resistência silenciosa o estorva. Contudo, não tem como montar uma nova retaguarda, nem pode dividir energia com a inesperada batalha que eclodiu em seu lar. O momento exige ação concentrada para o que se preparou ao longo dos últimos anos e em vias de acontecer nas ruas da cidade. Montará a emboscada, deixará o inimigo confiante e o pegará na hora certa. Cada um terá a sua punição.
-- Arrumem minhas coisas em outro quarto. Em casa, Sofia deve permanecer em seu aposento quando regressar da escola. A alimentação será levada até ela e o banho acompanhado por uma de vocês. Nenhum contato com a mãe. A mesma ordem se aplica ao outro quarto, que deverá ser servido e atendido no estrito do necessário, sem delongas nem prosa. Ninguém recebe visitas ou atende ao portão. Quando se recolher, Quitéria, deixe a chave nesta gaveta. Cumpram bem suas obrigações. Responderão por qualquer deslize. Podem ir.
Aliviada, Quitéria puxa Belizária pela mão. Quer retirá-la dali o mais depressa possível. Teme que dívidas de gratidão abram sua boca emudecida até o momento.
Tão logo a porta se fecha, Herculano mira República: nada me derrotará, pensa e sai. No vestíbulo olha para o alto da escada. Um músculo se contrai no seu rosto. Os dedos das mãos se fecham como garras.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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