sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Capítulo Quarenta e Dois

VOU TER UMA AMIGA ADVOGADA!


A família está no bonde. Fazem o trajeto em silêncio e apenas se entreolham discretamente, vez por outra. Na parada do Passeio Público, Herculano desce com destino ao Clube Militar. Páscoa, Sofia e Quitéria continuam até o Largo da Carioca de onde seguem para as compras. Na Gonçalves Dias, o livreiro pede licença a uma cliente e as recebe calorosamente.
-- Fiquem à vontade. Não esperava a senhora hoje. Mas tenho um almanaque especial para a pequerrucha, diz e estende a Sofia o exemplar.
-- Obrigada.
-- Por favor, continue seu atendimento, podemos aguardar.
A freguesa sorri e Páscoa retribui o sorriso, depois finge examinar os livros, atenta à fala segura da jovem senhora. De soslaio, observa a feição simpática, a roupa elegante e os seus gestos amplos. Constata, em suas mãos, a ausência de aliança.
Enquanto fala, o livreiro remexe no seu estoque tomado por receios:
-- Espero encontrar algo que a agrade, mas temo estar desprevenido para atender a uma madame tão lida como a senhora.
-- Nem tanto. Eu é que tenho fome de livros. Gostaria que se publicasse muito mais e as pessoas dispusessem dos livros que já leram, opina a cliente e se vira para Páscoa: -- Não acha que os livros devem circular em vez de ficar trancafiados em casa?
A imagem de uma sequência de dorsos de livros espremidos em estantes altas, largas e silenciosas espelha-se na mente de Páscoa.
-- Acho, sim; nada deve ficar trancado em casa.
-- Sou Maria Luísa Almeida Castro.
-- Páscoa Mourão Dias. Esta é Sofia, minha filha, e Quitéria, nossa ama.
O livreiro retoma a conversa.
-- Se a senhora quiser, posso tentar conseguir os títulos de vosso interesse. Se for o caso, mando vir de Paris – usados, porém em bom estado.
-- Que gentileza! Pois então, senhor...
-- Expedito Massini, às suas ordens.
-- Pois então, senhor Massini, tenho anotado dois títulos que apreciaria muito se o senhor os conseguisse para mim, diz mexendo na bolsa. -- Estão esgotados. Quem sabe o senhor tem a sorte de encontrá-los.
-- Ah, farei o possível e o impossível para atender à madame.
-- Eu lhe agradeço. Aqui estão os títulos e, por favor, fique com o meu cartão.
-- Vou guardar e começar a busca hoje mesmo, assegura o livreiro e volta-se novamente para as sacolas do seu estoque.
-- Muito obrigada, responde Maria Luísa que se dirige a Páscoa: -- Estou encantada com as opções que temos na cidade para comprar livros.
-- A senhora é de fora?
-- Sim. Vim de São Paulo. Meu irmão foi nomeado juiz municipal e mudou-se para cá. Cheguei há pouco, para ajudá-lo na organização da casa nova.
-- Os demais familiares vieram também?
-- Meus pais ficaram; quanto aos demais, sou solteira e livre como um passarinho!
O rosto de Páscoa se ilumina. Quitéria e Sofia se entreolham.
-- Por favor, aceite meu cartão. Quem sabe não podemos nos encontrar em um próximo dia?
-- Será um prazer, responde Páscoa, embasbacada com o que lê: advogada
-- Pois, então, fico à espera de um contato da senhora. Até logo, Sofia. Passar bem, Dona Quitéria. Aguardo notícias da minha encomenda, Sr. Massini.
Por um instante, o grupo acompanha com os olhos o andar confiante de Maria Luísa. O vendedor está satisfeito com o fidalgo crescimento da sua clientela e Páscoa, nas nuvens. A sua vontade é saltar, gritar: “Vou ter uma amiga! Advogada!”. Sofia não entende por que aquela mulher sorria tanto: Nem casada é. Já Quitéria tem a opinião bem formada: Despachada demais. Onde já se viu andar desacompanhada?!

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário