VOU TER UMA AMIGA ADVOGADA!
A família está no
bonde. Fazem o trajeto em silêncio e apenas se entreolham discretamente, vez
por outra. Na parada do Passeio Público, Herculano desce com destino ao Clube
Militar. Páscoa, Sofia e Quitéria continuam até o Largo da Carioca de onde
seguem para as compras. Na Gonçalves Dias, o livreiro pede licença a uma
cliente e as recebe calorosamente.
-- Fiquem à vontade.
Não esperava a senhora hoje. Mas tenho um almanaque especial para a
pequerrucha, diz e estende a Sofia o exemplar.
-- Obrigada.
-- Por favor, continue
seu atendimento, podemos aguardar.
A freguesa sorri e
Páscoa retribui o sorriso, depois finge examinar os livros, atenta à fala
segura da jovem senhora. De soslaio, observa a feição simpática, a roupa
elegante e os seus gestos amplos. Constata, em suas mãos, a ausência de
aliança.
Enquanto fala, o livreiro
remexe no seu estoque tomado por receios:
-- Espero encontrar
algo que a agrade, mas temo estar desprevenido para atender a uma madame tão
lida como a senhora.
-- Nem tanto. Eu é que
tenho fome de livros. Gostaria que se publicasse muito mais e as pessoas
dispusessem dos livros que já leram, opina a cliente e se vira para Páscoa: --
Não acha que os livros devem circular em vez de ficar trancafiados em casa?
A imagem de uma
sequência de dorsos de livros espremidos em estantes altas, largas e
silenciosas espelha-se na mente de Páscoa.
-- Acho, sim; nada deve
ficar trancado em casa.
-- Sou Maria Luísa
Almeida Castro.
-- Páscoa Mourão Dias.
Esta é Sofia, minha filha, e Quitéria, nossa ama.
O livreiro retoma a
conversa.
-- Se a senhora quiser,
posso tentar conseguir os títulos de vosso interesse. Se for o caso, mando vir
de Paris – usados, porém em bom estado.
-- Que gentileza! Pois
então, senhor...
-- Expedito Massini, às
suas ordens.
-- Pois então, senhor
Massini, tenho anotado dois títulos que apreciaria muito se o senhor os
conseguisse para mim, diz mexendo na bolsa. -- Estão esgotados. Quem sabe o
senhor tem a sorte de encontrá-los.
-- Ah, farei o possível
e o impossível para atender à madame.
-- Eu lhe agradeço.
Aqui estão os títulos e, por favor, fique com o meu cartão.
-- Vou guardar e
começar a busca hoje mesmo, assegura o livreiro e volta-se novamente para as
sacolas do seu estoque.
-- Muito obrigada,
responde Maria Luísa que se dirige a Páscoa: -- Estou encantada com as opções
que temos na cidade para comprar livros.
-- A senhora é de fora?
-- Sim. Vim de São
Paulo. Meu irmão foi nomeado juiz municipal e mudou-se para cá. Cheguei há
pouco, para ajudá-lo na organização da casa nova.
-- Os demais familiares
vieram também?
-- Meus pais ficaram;
quanto aos demais, sou solteira e livre como um passarinho!
O rosto de Páscoa se
ilumina. Quitéria e Sofia se entreolham.
-- Por favor, aceite
meu cartão. Quem sabe não podemos nos encontrar em um próximo dia?
-- Será um prazer,
responde Páscoa, embasbacada com o que lê: advogada.
-- Pois, então, fico à
espera de um contato da senhora. Até logo, Sofia. Passar bem, Dona Quitéria.
Aguardo notícias da minha encomenda, Sr. Massini.
Por um instante, o
grupo acompanha com os olhos o andar confiante de Maria Luísa. O vendedor está
satisfeito com o fidalgo crescimento da sua clientela e Páscoa, nas nuvens. A
sua vontade é saltar, gritar: “Vou ter uma amiga! Advogada!”. Sofia não entende
por que aquela mulher sorria tanto: Nem
casada é. Já Quitéria tem a opinião bem formada: Despachada demais. Onde já se viu andar
desacompanhada?!
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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