terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Capítulo Treze

A QUARENTENA PODE COMEÇAR


Após a partida do médico, Herculano sela seu cavalo, monta e ruma para os lados do Leme, premido pela necessidade de averiguar no local até que ponto sua família estará resguardada nos próximos quarenta dias. Pela praia, passa ao lado da pedreira negra e entra em território inimigo. Olhares de curiosidade ressabiada chegam à janela das choupanas erguidas mais acima, no areal. Altivo, o Capitão acena com a cabeça. Quer ser visto e fazer pressão sobre o banhista em seu reduto. Chega ao final da praia, sobe até a estação do bonde e, ao lado dos trilhos, faz o caminho de volta.  Um passante meneia a cabeça e ele retribui o cumprimento. Mais alguns metros percorridos, embica o cavalo e entra por uma trilha que ladeia uma chácara até as fraldas do morro. Mapeia essas terras que se estendem à sua esquerda, depois, mira à direita, os fundos de outras, até um terreno distante que se encaixa em curva com o morro, no seu caminho rumo ao mar. Nessa curva desponta um menino, que toca uma flauta enquanto anda e traz uma sacola pendurada no ombro. Herculano trota ao seu encontro.
-- Boas..., cumprimenta o garoto com ar respeitoso e desconfiado.  
-- Mora por aqui?
-- Não. Lá pros lados da vila de Ipanema.
-- O que faz longe de casa?
-- Trabalho. Quer uma graxa? Tá tudo aqui, diz apalpando a sacola.
-- Hoje não.
-- Então, com vossa licença... Vou indo.
-- Espere. Conhece o banhista? – Herculano não sabe o nome.
Com expressão opaca, o menino pensa no que dizer. Acabou de sair da casa do procurado onde ouviu a estória do banho de mar às avessas. Herculano analisa a espera: conhece o sujeito. E o menino despista falando parte do que o indagador quer saber.
-- O procurado tem um cachorro?
-- Tem.
-- Ah, então sei quem é.
-- Onde ele mora?
-- Isso num sei não, mas posso saber, quer?
-- Outra hora. Tem visto ele por aqui?
-- Da última vez... Ih! Faz um punhado de dias. Deve tá na cidade.
O sujeito escafedeu-se, como disse Tião, conclui. -- Como se chama?
-- Crispim de Oliveira. Mas atendo também por Azulão, informa com um sorriso alvo que contrasta com a negritude intensa da pele.
-- Pois pergunte no arraial onde é a casa do capitão Herculano e passe por lá, Crispim. Terá sempre botas para engraxar.
-- Pode deixar, Capitão, vou sim.
A conversa termina, Azulão vai embora e o militar volta pelo mesmo caminho, sem percorrer a trilha até o final. A praia aberta é um convite para a cavalgada. Logo, cabelos e crinas enchem-se de vento – e a dúvida se dissipa em veloz carreira. A quarentena pode começar. Faço o primeiro passeio e Tião vigia os demais. Desse ponto em diante, os pensamentos fluem nas asas dos assuntos que enobrecem a existência do cavalgador.  De repente, o apelido de Crispim lhe vem à mente: Onde já se viu o futuro de uma nação chamar a si mesmo de Azulão?


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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