Capítulo Quarenta e Seis

O IR E VIR DAS AMIGAS

Conforme passam os dias de julho, as casas de Laranjeiras e de Botafogo se revezam na acolhida às recém-amigas, que descobrem novas afinidades e simpatias em boas horas de conversa. Há ainda as compras na cidade que criam novas oportunidades de descobertas e de identificações. Nesse ir e vir, Páscoa se desgarra da companhia de Quitéria. O nome da amiga passa a ser falado durante ou logo depois do jantar, quando Páscoa põe Herculano a par de meias verdades, do tipo que viu Maria Luísa na cidade ou que ela esteve na residência.

A reação de Herculano tem sido tranquila e até indiferente. Teve boa impressão da advogada: uma pessoa equilibrada, com modos femininos bem-postos e sem esnobismo do título que ostenta. Até se indignou ao saber que o Instituto Brasileiro de Advogados protelava a resposta ao pedido que Maria Luísa fizera para integrar a Instituição e ter o seu diploma reconhecido. -- Isso é inadmissível e arbitrário, disse e concordou com José Inácio em ser um absurdo a causa provável daquele atraso: a visão de que se o Direito brasileiro se inspira no Romano e se, em Roma, as mulheres não exerciam a advocacia, por que haveriam de exercer no Brasil? Desse modo, ouviu a esposa sem se agastar.

-- Penso se não devemos marcar logo a data da nossa visita.

-- Não se preocupe com isso. Dr. José Inácio irá ver o quão ocupado estou.

-- Por que irá ver?

-- Confirmou presença numa reunião com conhecidos amanhã à noite.

-- Não sabia que estava se encontrando com ele.

-- Não estou. Apenas o convidei para um encontro de seu interesse.

-- Assuntos da oposição ao governo?

-- Inconstitucionalidade das medidas sanitárias.

-- Engraçado, Maria Luísa não comentou nada.

-- Nem poderia. É uma pessoa muito bem formada e educada. Sabe que assuntos tratados em casa não devem ultrapassar a soleira da porta, não é mesmo, Sofia?

A pergunta traz à mente da pequena a sua recíproca: o que é tratado fora de casa também não deve ultrapassar os limites da rua. Prontamente, balança um sim com a cabeça. Herculano se volta para a esposa.

-- Espero que mantenha a mesma reserva em seus encontros com Maria Luísa.

Páscoa sentiu-se desrespeitada pelo marido. Foi um comentário banal. Não precisava me espezinhar, ainda mais na frente de Sofia.

Quitéria, que servia o café, não gostou de ouvir a resposta do patrão. Suas razões se confirmam. A conduta recomendada por Herculano se transforma no álibi para novos passeios realizados entre as amigas ao longo de agosto. Modos de ver o mundo e de viver a vida são debatidos e confidências iniciadas. Os dias se sucedem, movimentados.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos

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