sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Capítulo Trinta e Três

CORAÇÕES ALHEIOS À RAZÃO


Diante de Grego, o coração de Páscoa bate forte, como se nenhum silêncio houvera entre os dois, ou se ela não se empenhasse em ignorar essa atração. O coração de Grego também bate indiferentemente aos entendimentos da razão. Depois da ópera, quando a viu sair de braço dado com o marido, pesou-lhe o pleno-vazio desse amor que lhe escapa antes mesmo de ser vivido, por causa das complicações que encerra. Achou que não valeria a pena complicar a vida dela, nem a sua, e decidiu não procurá-la mais. Porém, a emoção do reencontro o incita a resgatar o possível.
Quitéria não gosta desse acaso. Sofia apossa-se do braço da mãe, ressabiada, e o livreiro, com o troco na mão, observa o recém-chegado: o olhar que ele dá à cliente, a luz que brilha no dela, o que um diz e o que o outro acrescenta.
-- Tenho trabalhado muito.
-- Imagino que sim.
-- Venho de um cliente.
-- Decidimos parar para ver os livros.
-- E eu, cortar caminho por aqui.
Grego vê as costas do livro que Páscoa segura.
-- Pelo visto, achou algo interessante.
Sem mostrar, responde que é apenas um romance.
E que romance, retruca o livreiro consigo mesmo.
-- Vamos, mãe, diz Sofia.
-- Posso acompanhá-las?
-- Se não for afastá-lo dos seus compromissos.
-- Não carece. Só vamos ao boticário, explica Quitéria.
-- Será uma satisfação segurar as compras das senhoras.
Troco recebido, o grupo se move, sob o olhar do livreiro: Ah, o amor!
Durante o trajeto, Grego percebe a dificuldade de um momento a sós com Páscoa diante da marcação cerrada de Sofia e do passo apressado de Quitéria, que acelera o deslocamento. Chegam à botica. Que bom! Ainda está aberta. Não voltarão para casa de mãos vazias. Terão como justificar o atraso para Herculano se for preciso.
Enquanto aguarda as compras, Grego escreve um bilhete: será uma satisfação despedir-me da senhora. Quarta-feira, às 14h, no portão principal do Jardim Botânico. Em seguida, põe a mensagem dentro de Bovary que Páscoa deixara sobre o balcão, ao lado da sua pequena bolsa e com a capa virada para baixo. Curioso em conhecer a escolha, desvira o romance e entende a resposta evasiva ao seu interesse na obra. Avalia o conteúdo nada recomendado para quem corteja uma aventura extraconjugal. A irresponsabilidade de seus avanços sobre a mulher se apresenta uma vez mais. Apaga as lamparinas do juízo e se rende ao desejo, vestido do entendimento de que quer apenas se despedir dela, como um cavalheiro faria e como ambos merecem, desde que está de partida com a companhia lírica. Repõe o livro do jeito que o encontrou e espera o desenrolar das compras.
Ao sair da loja, o cortejo se movimenta para pegar o bonde. Ao dobrar a esquina, são detidos por um rapaz.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


Nenhum comentário:

Postar um comentário