sábado, 31 de janeiro de 2015

Capítulo Cinquenta e Dois

MEU RARO


Desde que chegou da fazenda, Catarina tenta envolver Theodoro em suas carícias e, mais uma vez, é paternalmente rejeitada.
-- Fique quietinha, fica.
-- Ah, Théo, por quê?
-- É tarde, estou cansado e nada de pôr em risco o bebê. Podemos não ter outro.
Por um instante, a feição de Catarina, infantilmente amuada, permanece estática, com os olhos postos em Theodoro, enquanto a mente atribui a rejeição ao saciamento do marido no corpo da dona do perfume. Com uma frieza indescritível, continua a farsa.
-- É. Fomos muito abençoados. Temos de cuidar de tamanha graça, diz e encerra a questão, jurando em silêncio que aniquilará a rival misteriosa.
Ao longo dos próximos dias, mostra-se compreensível com o retorno atrasado do marido. Toca-lhe sonatas, dirigi-lhe palavras amáveis e o ouve serenamente. Comenta leituras de jornal que julga ser do seu interesse, conta-lhe curiosidades sobre a confecção do enxoval do bebê, pede sua opinião sobre a decoração do quarto do rebento e, há pouco, aconselhou-se com ele sobre como responder à participação do nascimento da sobrinha em Portugal. Mais uma vez, acatou sua orientação de adiar o comunicado da gestação para quando tiver passado os meses mais suscetíveis de perda. Com tais atitudes, exercita a força do gênio que diz ter se apoderado de si e espera o retorno à loja do perfumista, certa de que Reverbel lhe revelará a identidade da responsável pela sua adversidade conjugal. Aí, esclarecida por tanto, saberá como mover as peças desse jogo para dar o cheque mate final e tirar de vez a outra da vida do seu marido e da sua cama.
Theodoro surge vindo do quarto de vestir.
-- Não achei aquele meu casaco de casimira inglesa.
-- Qual, meu querido?
-- Aquele cinza escuro.
-- O que usou na véspera que cheguei?
-- Não me lembro.
-- Se for, mandei para a lavanderia em Paris.
-- Catarina, mas só o vesti uma vez!
-- Não me pareceu, desculpe.
-- Mais atenção.
-- Terei, contudo devo admitir: fica tão bem com este que é até providencial não ter o outro para usar.
Theodoro olha-se no espelho, apruma o corpo.
-- É. Também gosto. Bom, vou tomar café. Quer que eu mande servi-la aqui?
-- Não. Vou com você, meu raro.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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