MEU RARO
Desde
que chegou da fazenda, Catarina tenta envolver Theodoro em suas carícias e,
mais uma vez, é paternalmente rejeitada.
--
Fique quietinha, fica.
-- Ah,
Théo, por quê?
-- É
tarde, estou cansado e nada de pôr em risco o bebê. Podemos não ter outro.
Por um
instante, a feição de Catarina, infantilmente amuada, permanece estática, com
os olhos postos em Theodoro, enquanto a mente atribui a rejeição ao saciamento
do marido no corpo da dona do perfume. Com uma frieza indescritível, continua a
farsa.
-- É.
Fomos muito abençoados. Temos de cuidar de tamanha graça, diz e encerra a
questão, jurando em silêncio que aniquilará a rival misteriosa.
Ao
longo dos próximos dias, mostra-se compreensível com o retorno atrasado do
marido. Toca-lhe sonatas, dirigi-lhe palavras amáveis e o ouve serenamente.
Comenta leituras de jornal que julga ser do seu interesse, conta-lhe
curiosidades sobre a confecção do enxoval do bebê, pede sua opinião sobre a
decoração do quarto do rebento e, há pouco, aconselhou-se com ele sobre como
responder à participação do nascimento da sobrinha em Portugal. Mais uma vez,
acatou sua orientação de adiar o comunicado da gestação para quando tiver
passado os meses mais suscetíveis de perda. Com tais atitudes, exercita a força
do gênio que diz ter se apoderado de si e espera o retorno à loja do
perfumista, certa de que Reverbel lhe revelará a identidade da responsável pela
sua adversidade conjugal. Aí, esclarecida por tanto, saberá como mover as peças
desse jogo para dar o cheque mate final e tirar de vez a outra da vida do seu marido
e da sua cama.
Theodoro
surge vindo do quarto de vestir.
-- Não
achei aquele meu casaco de casimira inglesa.
--
Qual, meu querido?
--
Aquele cinza escuro.
-- O
que usou na véspera que cheguei?
-- Não
me lembro.
-- Se
for, mandei para a lavanderia em Paris.
--
Catarina, mas só o vesti uma vez!
-- Não
me pareceu, desculpe.
--
Mais atenção.
--
Terei, contudo devo admitir: fica tão bem com este que é até providencial não
ter o outro para usar.
Theodoro
olha-se no espelho, apruma o corpo.
-- É.
Também gosto. Bom, vou tomar café. Quer que eu mande servi-la aqui?
-- Não.
Vou com você, meu raro.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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