terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Capítulo Cinquenta

DO AROMA FINAL


Catarina se desespera com os indícios da traição do marido. Jamais imaginou que Theodoro lhe fosse infiel. Em meio ao pranto, Pierre Reverbel, perfumista, casado com Clotilde, uma irmã da Ordem da Estrela, lhe vem à mente. No ano passado, convenceu Theodoro a desembaraçar mercadorias na alfândega que Reverbel importara de modo inadequado. Sem essa intervenção, os prejuízos teriam sido enormes. Decide entrar em ação e ter retribuída a sua prestimosa ajuda. Com o casaco dentro de uma sacola, tempo depois já está a manusear pequenos frascos de essências, sob o olhar do perfumista, na loja decorada com elegância. Frascos de todos os tamanhos e formas se exibem nas prateleiras da grande estante, atrás de um balcão.
Catarina aspira uma essência – e Reverbel espicha o corpo como se puxado pelo nariz. Mas ela balança negativamente a cabeça e o tronco dele desmonta-se com essa outra fracassada tentativa de reconhecer um aroma misterioso. Não tem mais o que lhe oferecer, entre as essências amadeiradas, orientais, frutadas e chipre-florais que possui.
-- Madame, temo pela sua fadiga olfativa. Já inspirou muitos aromas.
Nem o estômago embrulhado a faz desistir da investigação.
-- Por favor, dê-me mais grãos de café.
Prontamente uma caixinha de prata lhe é estendida. Inala o conteúdo e pede também um minúsculo pote, de onde pinça uma pitada de sal marinho que coloca na língua. Respira. Olha para os frascos.
-- Estou em dúvida.
-- Com justa razão. Um perfume é a combinação de muitas essências.
-- Há um espaço reservado onde possamos conversar?
Embora estranhe a pergunta, Reverbel atende à solicitação. Puxa a cadeira para sua cliente se levantar com a sacola que o intriga e a conduz para os fundos da loja. Entram num gabinete, com prateleiras ocupadas por mais potes e frascos. Sentam-se. Da sacola, Catarina retira o casaco de Theodoro e o estende para o perfumista.
-- Reconhece essa fragrância?
Reverbel imagina de quem seja o dono da roupa e intui os motivos ocultos da investigação aromática.
-- Madame!
-- Preciso saber que perfume é esse e quem o usa em nossa cidade.
-- Não serei capaz de tanto, responde receoso de se meter num entrevero conjugal.
-- Estou certa de que é capaz e que terei a sua eterna discrição.
O perfumista entende a pressão. Só essa que me faltava! Inspira a peça e expira para o lado. Reconhece um floral pesado, como nota de fundo. Supõe outras essências que poderiam ter participado da construção desse aroma. O que farei?
-- Há quanto tempo essa memória está no casaco?
-- Menos de um dia.
-- Pois então, as notas de saída e do coração já evaporaram. Volúveis e não menos essenciais compõem o aroma final. Com essa débil lembrança, nem um mago poderia dizer que perfume é esse e quem o possui entre suas clientes.
-- Mas não reconhece nada?
-- Um ponto de partida, um acorde inicial, nada mais que hipóteses.
-- Talvez de alguma fórmula que o senhor tenha feito para uma cliente loira?
A cor do cabelo fortalece a suspeita de um nome irrevelável.
-- Não saberia dizer. Ademais o perfume pode ter sido comprado na Europa!
-- Como se desprestigia o produto nacional. Mas com certeza isso terá um fim com a reforma da nossa querida cidade. Por falar no futuro, já pensou em ampliar o negócio para a nova Avenida Central?
-- Tenho planos, mas nada conclusivos. Os preços dos terrenos estão proibitivos.
-- Talvez Theodoro saiba de uma oportunidade. Posso sondar, se tiver interesse.
-- Se puder averiguar, serei muito grato.
-- Eu também ao senhor. Quando pode me dar um parecer sobre essa fragrância?
-- Madame, temo desapontá-la.
-- Não se preocupe em ser preciso. Satisfaço-me com hipóteses. Deixarei o casaco com o senhor, diz e se levanta.
-- Acompanho a senhora.
-- Penso em não comentar nada com a nossa querida Clotilde, estarei certa?
-- Separo negócios dos assuntos familiares.
-- Imaginei que sim. Volto na semana que vem. E espero trocar com o senhor boas informações de nosso interesse.
Reverbel declina levemente a cabeça pensando em como se livrar da enrascada  chamada Catarina.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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