DO AROMA FINAL
Catarina se desespera com os indícios da
traição do marido. Jamais imaginou que Theodoro lhe fosse infiel. Em meio ao pranto, Pierre Reverbel,
perfumista, casado com Clotilde, uma irmã da Ordem da Estrela, lhe vem à mente.
No ano passado, convenceu Theodoro a desembaraçar mercadorias na alfândega que
Reverbel importara de modo inadequado. Sem essa intervenção, os prejuízos
teriam sido enormes. Decide entrar em ação e ter retribuída a sua prestimosa
ajuda. Com o casaco dentro de uma sacola, tempo depois já está a manusear
pequenos frascos de essências, sob o olhar do perfumista, na loja decorada com
elegância. Frascos de todos os tamanhos e formas se exibem nas prateleiras da
grande estante, atrás de um balcão.
Catarina
aspira uma essência – e Reverbel espicha o corpo como se puxado pelo nariz. Mas
ela balança negativamente a cabeça e o tronco dele desmonta-se com essa outra
fracassada tentativa de reconhecer um aroma misterioso. Não tem mais o que lhe
oferecer, entre as essências amadeiradas, orientais, frutadas e chipre-florais
que possui.
--
Madame, temo pela sua fadiga olfativa. Já inspirou muitos aromas.
Nem o
estômago embrulhado a faz desistir da investigação.
-- Por
favor, dê-me mais grãos de café.
Prontamente
uma caixinha de prata lhe é estendida. Inala o conteúdo e pede também um
minúsculo pote, de onde pinça uma pitada de sal marinho que coloca na língua.
Respira. Olha para os frascos.
--
Estou em dúvida.
-- Com
justa razão. Um perfume é a combinação de muitas essências.
-- Há
um espaço reservado onde possamos conversar?
Embora
estranhe a pergunta, Reverbel atende à solicitação. Puxa a cadeira para sua
cliente se levantar com a sacola que o intriga e a conduz para os fundos da
loja. Entram num gabinete, com prateleiras ocupadas por mais potes e frascos.
Sentam-se. Da sacola, Catarina retira o casaco de Theodoro e o estende para o
perfumista.
--
Reconhece essa fragrância?
Reverbel
imagina de quem seja o dono da roupa e intui os motivos ocultos da investigação
aromática.
--
Madame!
--
Preciso saber que perfume é esse e quem o usa em nossa cidade.
-- Não
serei capaz de tanto, responde receoso de se meter num entrevero conjugal.
--
Estou certa de que é capaz e que terei a sua eterna discrição.
O
perfumista entende a pressão. Só essa que
me faltava! Inspira a peça e expira para o lado. Reconhece um floral
pesado, como nota de fundo. Supõe outras essências que poderiam ter participado
da construção desse aroma. O que farei?
-- Há
quanto tempo essa memória está no casaco?
--
Menos de um dia.
--
Pois então, as notas de saída e do coração já evaporaram. Volúveis e não menos
essenciais compõem o aroma final. Com essa débil lembrança, nem um mago poderia
dizer que perfume é esse e quem o possui entre suas clientes.
-- Mas
não reconhece nada?
-- Um
ponto de partida, um acorde inicial, nada mais que hipóteses.
--
Talvez de alguma fórmula que o senhor tenha feito para uma cliente loira?
A cor
do cabelo fortalece a suspeita de um nome irrevelável.
-- Não
saberia dizer. Ademais o perfume pode ter sido comprado na Europa!
--
Como se desprestigia o produto nacional. Mas com certeza isso terá um fim com a
reforma da nossa querida cidade. Por falar no futuro, já pensou em ampliar o
negócio para a nova Avenida Central?
--
Tenho planos, mas nada conclusivos. Os preços dos terrenos estão proibitivos.
--
Talvez Theodoro saiba de uma oportunidade. Posso sondar, se tiver interesse.
-- Se
puder averiguar, serei muito grato.
-- Eu
também ao senhor. Quando pode me dar um parecer sobre essa fragrância?
--
Madame, temo desapontá-la.
-- Não
se preocupe em ser preciso. Satisfaço-me com hipóteses. Deixarei o casaco com o
senhor, diz e se levanta.
--
Acompanho a senhora.
--
Penso em não comentar nada com a nossa querida Clotilde, estarei certa?
--
Separo negócios dos assuntos familiares.
--
Imaginei que sim. Volto na semana que vem. E espero trocar com o senhor boas
informações de nosso interesse.
Reverbel
declina levemente a cabeça pensando em como se livrar da enrascada chamada Catarina.
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Copyright de adaptação para Cinema e
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