NÃO. NÃO PODE SER!
Eis-me de volta, querido e saudoso amigo. E
grávida! Não é maravilhoso? O sonho é realidade. A princípio tudo foi difícil
com os doces suplícios da acomodação desse estado vivificante em minha
natureza. Mas, para minha habitual alegria, depois do terceiro mês, notei a
gradativa redução do mal-estar e das ocasionais melancolias. Com grande alívio,
percebo a cada dia mais o retorno da expressão mais pura do meu ser – e de modo
ampliado. Sinto-me inundada por uma descomunal sensação de poder. Como um gênio
que tudo abraça, essa sensação tomou posse de mim. Sinto-me capaz de fazer com
glorioso sucesso qualquer coisa que me dispuser a fazer. Finalmente posso
exultar minha felicidade. Consegui. Serei mãe e Theo, pai.
Sobre meu querido, adorado e raro marido, nem
te conto qual foi sua reação quando soube da notícia. Exultou de alegria, mais
parecia uma criança. Depois dizem que nós mulheres somos sensíveis. Pois sim!
Theo não sabe que cheguei. Quis lhe fazer uma surpresa. Há tanto me espera.
Mandei preparar um jantar apetitoso, irei me banhar e adocicar a minha pele.
Sinto muitas saudades do meu viril marido. Confesso que estou ligeiramente
nervosa, sem saber como tudo será nesse meu novo estado: meus seios estão
maiores e, pouco abaixo do meu estômago, há uma pequena e arredondada
protuberância. Mas confio na sabedoria de Theo. Saberá me conduzir pelos
caminhos do seu dulcíssimo amor. Ah, como estou feliz. Até.
Bela,
cheirosa e cheia de amor, Catarina espera Theodoro. Decepcionada janta sozinha
à mesa organizada para celebrar seu retorno. Depois se senta ao piano. Abre a
tampa, retira a flanela: a carta de Valentin plaina no ar até pousar no chão. O
coração bate forte a suspeita de quem seja o autor da proeza. Ergue a
correspondência e a lê. Emociona-se. Oh,
meu querido! Guardo mais que o selo do seu amor... Catarina retifica seus
pensamentos. Guardo a sua amizade. Este filho é de Theo. Começa a
tocar. Vencida pelo sono, recolhe-se.
Quando acorda, é dia claro e Theodoro a contempla de pé e vestido. Levanta-se
num pulo e se aninha em seus braços.
-- Que
bom te ver!
-- Que
imprudência! Como seus pais deixaram que viajasse sozinha?
--
Esperei tanto por você ontem.
-- Por
que não me avisou que vinha?
--
Queria lhe fazer uma surpresa. Onde estava?
-- Em
uma reunião extraordinária. E o bebê como vai?
--
Estamos bem. Acabou o mal-estar.
--
Recompensarei cada dissabor sofrido.
--
Então me recompense. Estou saudosa, diz e o puxa para a cama.
--
Não! Tenho compromissos. Vamos tomar café. Estou faminto e atrasado.
Catarina
estranha a recusa do marido, mas nada em sua feição a denuncia. Hora depois, no
jardim, acena para Theodoro, que parte para o trabalho no coche conduzido por
Abdias. Vira-se e avista a casa de hóspedes com as janelas fechadas. Considera
a possibilidade de mandar demolir a construção e fazer no local uma fonte. Mas
a ideia a remete às águas que ninam insônias... Não. Nada de criar mais lembranças de Valentin.
Entra
com os pensamentos nas atividades que tem pela frente: ir se consultar com Dr.
Eugênio, visitar Dra. Thereza, contratar costureiras para a confecção do
enxoval do neném, decorar o quarto do bebê, retornar a Ordem da Estrela, pôr em
dia as cartas, voltar para o amado piano e, sobretudo, reaver seus dias
radiantes e suas noites gloriosas como esposa-amante e agora futura mãe.
No
quarto de vestir, vê as roupas de Theodoro sobre a poltrona. Pega o casaco e o
abraça. Num triz, sente o cheiro de perfume. Fareja a roupa. Oh, meu
Deus! Vasculha os bolsos do casaco, não encontra nada. Leva-o até a janela
e o examina. Em um ombro, encontra um fio loiro de cabelo. Não, não, não! Não pode ser!
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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