terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Capítulo Quarenta e Nove

NÃO. NÃO PODE SER!


Eis-me de volta, querido e saudoso amigo. E grávida! Não é maravilhoso? O sonho é realidade. A princípio tudo foi difícil com os doces suplícios da acomodação desse estado vivificante em minha natureza. Mas, para minha habitual alegria, depois do terceiro mês, notei a gradativa redução do mal-estar e das ocasionais melancolias. Com grande alívio, percebo a cada dia mais o retorno da expressão mais pura do meu ser – e de modo ampliado. Sinto-me inundada por uma descomunal sensação de poder. Como um gênio que tudo abraça, essa sensação tomou posse de mim. Sinto-me capaz de fazer com glorioso sucesso qualquer coisa que me dispuser a fazer. Finalmente posso exultar minha felicidade. Consegui. Serei mãe e Theo, pai.
Sobre meu querido, adorado e raro marido, nem te conto qual foi sua reação quando soube da notícia. Exultou de alegria, mais parecia uma criança. Depois dizem que nós mulheres somos sensíveis. Pois sim! Theo não sabe que cheguei. Quis lhe fazer uma surpresa. Há tanto me espera. Mandei preparar um jantar apetitoso, irei me banhar e adocicar a minha pele. Sinto muitas saudades do meu viril marido. Confesso que estou ligeiramente nervosa, sem saber como tudo será nesse meu novo estado: meus seios estão maiores e, pouco abaixo do meu estômago, há uma pequena e arredondada protuberância. Mas confio na sabedoria de Theo. Saberá me conduzir pelos caminhos do seu dulcíssimo amor. Ah, como estou feliz. Até.
Bela, cheirosa e cheia de amor, Catarina espera Theodoro. Decepcionada janta sozinha à mesa organizada para celebrar seu retorno. Depois se senta ao piano. Abre a tampa, retira a flanela: a carta de Valentin plaina no ar até pousar no chão. O coração bate forte a suspeita de quem seja o autor da proeza. Ergue a correspondência e a lê. Emociona-se. Oh, meu querido! Guardo mais que o selo do seu amor... Catarina retifica seus pensamentos. Guardo a sua amizade. Este filho é de Theo. Começa a tocar.  Vencida pelo sono, recolhe-se. Quando acorda, é dia claro e Theodoro a contempla de pé e vestido. Levanta-se num pulo e se aninha em seus braços. 
-- Que bom te ver!
-- Que imprudência! Como seus pais deixaram que viajasse sozinha?
-- Esperei tanto por você ontem.
-- Por que não me avisou que vinha?
-- Queria lhe fazer uma surpresa. Onde estava?
-- Em uma reunião extraordinária. E o bebê como vai?
-- Estamos bem. Acabou o mal-estar.
-- Recompensarei cada dissabor sofrido.
-- Então me recompense. Estou saudosa, diz e o puxa para a cama.
-- Não! Tenho compromissos. Vamos tomar café. Estou faminto e atrasado.
Catarina estranha a recusa do marido, mas nada em sua feição a denuncia. Hora depois, no jardim, acena para Theodoro, que parte para o trabalho no coche conduzido por Abdias. Vira-se e avista a casa de hóspedes com as janelas fechadas. Considera a possibilidade de mandar demolir a construção e fazer no local uma fonte. Mas a ideia a remete às águas que ninam insônias... Não. Nada de criar mais lembranças de Valentin. 
Entra com os pensamentos nas atividades que tem pela frente: ir se consultar com Dr. Eugênio, visitar Dra. Thereza, contratar costureiras para a confecção do enxoval do neném, decorar o quarto do bebê, retornar a Ordem da Estrela, pôr em dia as cartas, voltar para o amado piano e, sobretudo, reaver seus dias radiantes e suas noites gloriosas como esposa-amante e agora futura mãe.
No quarto de vestir, vê as roupas de Theodoro sobre a poltrona. Pega o casaco e o abraça. Num triz, sente o cheiro de perfume. Fareja a roupa. Oh, meu Deus! Vasculha os bolsos do casaco, não encontra nada. Leva-o até a janela e o examina. Em um ombro, encontra um fio loiro de cabelo. Não, não, não! Não pode ser!

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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