INTUIÇÃO DE MÃE
Assim
que testemunhou o primeiro enjoo de Catarina, Constança pensou de imediato em
gravidez. Alegrou-se. Se certa, chegava ao fim a triste sina aventada há tempos
pelo marido médico de que, por razões ignoradas, a filha ou o genro era
estéril. Mas o enjoo mudava aquele infortúnio. Era o sinal de uma concepção
tardia, quase um milagre intercedido, com
certeza, por Nossa Senhora.
Ao
pensar nessa amorosa mediadora, lampejou a dúvida de ter havido mais outra
força em ação. Não, não é possível. Mas
os fatos se lhe ofereceram espontaneamente. Ordeiros organizaram-se como um
leque de cartas de baralho e lá estavam: o enorme desejo de ser mãe da filha,
seu ímpeto desmedido, suas notícias efusivas sobre a estada de Valentin no
solar, a simpatia recíproca entre os dois, a concepção ocorrida durante a
presença do hóspede e a visita inesperada de Catarina. Só ficou de fora a
viagem de Theodoro, que ignora. Mas, ante os fatos conhecidos, todos
concorreram para a suspeita de que a criança a caminho fosse fruto de um
romance extraconjugal. A mãe desejou estar errada. Rezou para estar. Contudo,
os dias passaram sem a dúvida se dissipar.
Entra
no quarto da filha para avisá-la que o empregado a espera.
--
Tibério está aí fora. Disse que você quer ir até o povoado.
-- Só
até a estação de trem despachar a carta para Theo.
--
Pálida desse jeito... Não sei se é conveniente se sacolejar na charrete.
--
Talvez a fresca da tarde me faça bem.
--
Acho que não. Dê-me a carta. É melhor Tibério fazer isso para você.
Catarina entrega a missiva e se deita. A mãe
sai e retorna minutos depois. Senta-se à cadeira defronte da cama.
--
Estou preocupada com você.
--
Pela minha indisposição?
-- O
que quer me contar?
-- Os
meus sintomas já não falam por si?
--
Falam de uma provável gravidez.
-- Só
nos cabe torcer para ser verdade.
-- Tem
certeza de que agora é só torcer?
--
Claro que sim. Não é tudo que desejamos há tanto tempo?
-- Com
certeza. E, depois de tantos anos, acontece, assim de repente.
-- Uma
lição de esperança e fé.
-- Com
o solar vivendo em condições tão diferentes do normal.
Catarina
percebe aonde a mãe quer chegar e se assombra com a intuição dela.
-- O
que quer me dizer?
-- Que
jamais a abandonarei, por mais difícil que seja a situação.
-- Sei
disso, só não entendo o motivo da sua inquietação.
-- Há
anos vem tentando em vão ser mãe.
-- Por
acaso, eu e Theo não merecemos ser agraciados com a benção de uma concepção
tardia?
--
Merecem e é o que mais desejo: que essa graça tardia seja fruto da abençoada
comunhão com o seu marido.
--
Como se pudesse ser diferente. Ora, mamãe! Se não a conhecesse bem, tomaria até
como uma ofensa.
--
Pode então compreender o desassossego do meu coração.
-- É
muita surpresa. Agitou a sua imaginação.
-- Oh,
e como! Pensei em tanta coisa.
-- Os
pensamentos são mesmo ingovernáveis.
--
Imaginei uma concepção fruto de um romance proibido ou somente do seu desejo de
engravidar.
--
Mamãe! Causam-me estranhamento seus devaneios.
--
Causaram a mim também e me acenaram até uma gravidez ilícita, porém de comum
acordo com o seu marido.
--
Isso já é loucura! Contenha-se antes que alguém a ouça.
--
Precisava desabafar.
-- Já
o fez e eu já disse: não há nada com o que se preocupar.
--
Espero, porque, para além da honra aviltada, da violação dos costumes, o que
mais me aflige, é a insensibilidade ao outro.
--
Santo Cristo, por que insiste nisso?
--
Conheço bem a sua natureza e a de Theodoro. São resolutos e desmedidos.
-- Por
favor, pare. Tudo tem limites.
-- Bom
que pense assim porque o contrário é chamar Levana para si e para muitos.
-- A
criança que espero é fruto do meu amor por Theo e ponto final.
-- Que
Nossa Senhora os guarde e a chama da verdade nunca se apague entre nós.
--
Assim é e assim será, amém.
Constança
se levanta e caminha para a porta. Catarina a chama.
-- Não
comente nada com papai do meu estado interessante; quero ter certeza e contar
primeiro para Theo.
--
Deixarei para você falar.
A mãe
sai. Pela janela aberta, Catarina avista as quaresmeiras floridas em branco e
violeta que se espalham pelas encostas dos morros verdes no fundo da paisagem.
Acaricia sua estrela: Levana e Nossa
Senhora, amorosas guias, escutem minha prece. Sabem que sou uma pessoa boa, mas
não pude ser sincera. Valentin jamais entenderia um filho sem romance e uma
natureza apaixonada sem o compromisso do amor. Mamãe que é sensibilíssima e
divagante. Tanto que se torna fantasiosa. Que homem arranjaria outro para fecundar
a sua esposa? Theo é um homem raro, mas não um santo. Nesse ponto, Nossa Senhora
pode me entender melhor. Contou com a anunciação do anjo Gabriel para apaziguar
o coração do amantíssimo São José. Imagino os olhares sobre ele. Mas isso
também é passado e tudo ficará bem. Valentin irá para longe, conhecerá uma
moça, que lhe dará quantos filhos quiser. Meu bebê nascerá. Theo o erguerá e
apresentará sua fonte às estrelas, como você, Levana, nos ensinou. Dirá: eis
meu filho, para quem invoco proteção. Será lindo. E depois, Nossa Senhora,
haverá o batizado à luz de velas, com água, sal e óleos bentos... Seremos
boníssimos pais; educaremos nossa criança na fé e nos valores do bem. Assim,
vos peço: continuem a me iluminar e a interceder sempre por mim. Amém.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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