domingo, 25 de janeiro de 2015

Capítulo Quarenta e Cinco

INTUIÇÃO DE MÃE


Assim que testemunhou o primeiro enjoo de Catarina, Constança pensou de imediato em gravidez. Alegrou-se. Se certa, chegava ao fim a triste sina aventada há tempos pelo marido médico de que, por razões ignoradas, a filha ou o genro era estéril. Mas o enjoo mudava aquele infortúnio. Era o sinal de uma concepção tardia, quase um milagre intercedido, com certeza, por Nossa Senhora.
Ao pensar nessa amorosa mediadora, lampejou a dúvida de ter havido mais outra força em ação. Não, não é possível. Mas os fatos se lhe ofereceram espontaneamente. Ordeiros organizaram-se como um leque de cartas de baralho e lá estavam: o enorme desejo de ser mãe da filha, seu ímpeto desmedido, suas notícias efusivas sobre a estada de Valentin no solar, a simpatia recíproca entre os dois, a concepção ocorrida durante a presença do hóspede e a visita inesperada de Catarina. Só ficou de fora a viagem de Theodoro, que ignora. Mas, ante os fatos conhecidos, todos concorreram para a suspeita de que a criança a caminho fosse fruto de um romance extraconjugal. A mãe desejou estar errada. Rezou para estar. Contudo, os dias passaram sem a dúvida se dissipar.
Entra no quarto da filha para avisá-la que o empregado a espera. 
-- Tibério está aí fora. Disse que você quer ir até o povoado.
-- Só até a estação de trem despachar a carta para Theo.
-- Pálida desse jeito... Não sei se é conveniente se sacolejar na charrete.
-- Talvez a fresca da tarde me faça bem.
-- Acho que não. Dê-me a carta. É melhor Tibério fazer isso para você.
 Catarina entrega a missiva e se deita. A mãe sai e retorna minutos depois. Senta-se à cadeira defronte da cama.
-- Estou preocupada com você.
-- Pela minha indisposição?
-- O que quer me contar?
-- Os meus sintomas já não falam por si?
-- Falam de uma provável gravidez.
-- Só nos cabe torcer para ser verdade.
-- Tem certeza de que agora é só torcer?
-- Claro que sim. Não é tudo que desejamos há tanto tempo?
-- Com certeza. E, depois de tantos anos, acontece, assim de repente.
-- Uma lição de esperança e fé.
-- Com o solar vivendo em condições tão diferentes do normal.
Catarina percebe aonde a mãe quer chegar e se assombra com a intuição dela.
-- O que quer me dizer?
-- Que jamais a abandonarei, por mais difícil que seja a situação.
-- Sei disso, só não entendo o motivo da sua inquietação.
-- Há anos vem tentando em vão ser mãe.
-- Por acaso, eu e Theo não merecemos ser agraciados com a benção de uma concepção tardia?
-- Merecem e é o que mais desejo: que essa graça tardia seja fruto da abençoada comunhão com o seu marido.
-- Como se pudesse ser diferente. Ora, mamãe! Se não a conhecesse bem, tomaria até como uma ofensa.
-- Pode então compreender o desassossego do meu coração. 
-- É muita surpresa. Agitou a sua imaginação.
-- Oh, e como! Pensei em tanta coisa.
-- Os pensamentos são mesmo ingovernáveis.
-- Imaginei uma concepção fruto de um romance proibido ou somente do seu desejo de engravidar.
-- Mamãe! Causam-me estranhamento seus devaneios.
-- Causaram a mim também e me acenaram até uma gravidez ilícita, porém de comum acordo com o seu marido.
-- Isso já é loucura! Contenha-se antes que alguém a ouça.
-- Precisava desabafar.
-- Já o fez e eu já disse: não há nada com o que se preocupar.
-- Espero, porque, para além da honra aviltada, da violação dos costumes, o que mais me aflige, é a insensibilidade ao outro.
-- Santo Cristo, por que insiste nisso?
-- Conheço bem a sua natureza e a de Theodoro. São resolutos e desmedidos.
-- Por favor, pare. Tudo tem limites.
-- Bom que pense assim porque o contrário é chamar Levana para si e para muitos.
-- A criança que espero é fruto do meu amor por Theo e ponto final.
-- Que Nossa Senhora os guarde e a chama da verdade nunca se apague entre nós.
-- Assim é e assim será, amém.
Constança se levanta e caminha para a porta. Catarina a chama.
-- Não comente nada com papai do meu estado interessante; quero ter certeza e contar primeiro para Theo.
-- Deixarei para você falar. 
A mãe sai. Pela janela aberta, Catarina avista as quaresmeiras floridas em branco e violeta que se espalham pelas encostas dos morros verdes no fundo da paisagem. Acaricia sua estrela: Levana e Nossa Senhora, amorosas guias, escutem minha prece. Sabem que sou uma pessoa boa, mas não pude ser sincera. Valentin jamais entenderia um filho sem romance e uma natureza apaixonada sem o compromisso do amor. Mamãe que é sensibilíssima e divagante. Tanto que se torna fantasiosa. Que homem arranjaria outro para fecundar a sua esposa? Theo é um homem raro, mas não um santo. Nesse ponto, Nossa Senhora pode me entender melhor. Contou com a anunciação do anjo Gabriel para apaziguar o coração do amantíssimo São José. Imagino os olhares sobre ele. Mas isso também é passado e tudo ficará bem. Valentin irá para longe, conhecerá uma moça, que lhe dará quantos filhos quiser. Meu bebê nascerá. Theo o erguerá e apresentará sua fonte às estrelas, como você, Levana, nos ensinou. Dirá: eis meu filho, para quem invoco proteção. Será lindo. E depois, Nossa Senhora, haverá o batizado à luz de velas, com água, sal e óleos bentos... Seremos boníssimos pais; educaremos nossa criança na fé e nos valores do bem. Assim, vos peço: continuem a me iluminar e a interceder sempre por mim. Amém.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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