terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Capítulo Trinta e Cinco

EXPECTATIVAS


As horas da manhã se arrastam para Valentin. Chamado para almoçar, indaga à mesa o motivo do lugar vago.
-- E D. Catarina?
-- Preferiu comer algo no quarto e tirar o dia para descansar.
Terminada a refeição, senta-se na sala onde pega um jornal. Em pouco tempo, desiste da leitura. Volta para seus aposentos e aí permanece, com a ansiedade a consumi-lo: está apenas a despistar a criadagem; deu-me esperanças. Não me esqueceu!  No começo da noite, zanza pelo solar. Vê uma criada descer a escada e encontrar-se com outra ao pé da escada. Ouve a prosa:
 -- Ganhamos a folga?
 – Sim, até o dia raiar.
Valentin crê que Catarina cria condições para um encontro e devaneia com o porvir. Janta também sozinho
-- O senhor deseja algo mais? pergunta Josefa.
-- Não, obrigado.
-- Deixei, na casa de hóspedes, uma bandeja servida, caso queira cear mais tarde. Vamos fechar a cozinha e a casa mais cedo.
-- Obrigado.
Mal agradece, libera a cena para cada qual fazer a sua parte no enredo que supõe estar sendo escrito por Catarina. Adentra a saleta da casa de hóspedes. Sente um cheiro doce no ar. Vê manacás entre lírios e helicônias em um arranjo sobre o aparador, além de garrafas de vinho, da fruteira reabastecida e de travessas que destampa: carne assada, queijos, pães e geleias se expõem. No quarto, nota que as roupas de cama foram trocadas; na sala de banho, encontra novas toalhas e a banheira cheia à espera. Está maravilhado de ver os indícios do enredo imaginado e destinado a ser desenrolado ali. Virá a mim. Despe-se e se deita na banheira. Nem Salomão teve algo assim.
   Banho tomado, veste a túnica. O cheiro de limpeza que exala da roupa evoca os cuidados desfrutados nesse lar. Abre a janela e se senta à mesa. Põe-se a desenhar e a esperar. A impaciência cresce. Delirei. Não. Quis estar comigo. Mandou preparar cada detalhe com carinho. Talvez tenha desistido. Teme dar um passo em falso, incerta quanto aos meus sentimentos. Oh, bobinha, dê-me a chance de lutar por você. 
No quarto do solar, Catarina se admira diante do espelho da penteadeira. Uma trança contorna a sua cabeça como uma coroa. Mangas diminutas sustentam o vestido decotado. Usa o cordão com a estrela e nada mais. E pensa em Maria Luísa da Áustria, a princesa que, para servir a sua nação, casou-se, em 1810, com Napoleão, o imperador da França de então. Responsável por guerras entre os dois países e com outros, a família da noiva o tinha como um usurpador de reinos, herege e inimigo do povo austríaco, além de plebeu e um infame por ser divorciado. Mas necessidades financeiras do reino falaram mais alto e a jovem lhe foi dada em casamento. Os princípios não se aplicam a todos, nem a todas as situações. Rainhas são predestinadas a ações singulares. É chegada minha hora. Estrela-guia banhe-me com sua graça, faça ser doce e fecunda a minha entrega. Coloca brincos e se contempla uma vez mais.
Já na casa de hóspedes, a espera, a ansiedade, o medo da desilusão dilaceram o peito esvaziado da solidão roubada por Catarina. Impossível carregar esse vazio sem um abrandamento. Recorre ao seu condão de bem-estar.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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