NA CASA DE HÓSPEDE
Theodoro e Valentin entram numa
construção erguida no final do jardim que margeia a ala do cotidiano do solar.
O hóspede sente-se atraído pela atmosfera da saleta. Aprecia a mesa de madeira – espaçosa –, o estofamento em couro das
cadeiras – deslizantes –, as flores
em um vaso sobre um aparador – belas – e
as confortáveis poltronas dispostas em um meio círculo: providencial para uma conversa a três.
-- Aqui poderá ficar
completamente à vontade. Mas, se preferir, pode escolher um dos quartos da
casa, oferece o anfitrião.
-- Não será preciso. Tudo me
parece muito bom.
-- Mas nem tanta liberdade!
Valentin sorri e Theodoro
depreende que acertou na decisão de hospedá-lo ali.
-- Venha ver o quarto.
Porta aberta, um ambiente
repousante se revela e o olhar do hóspede é seguido pelo de Theodoro, que se depara
com a tela da mulher à beira-mar exposta na parede. Não estava no sótão? – Pergunta
a si mesmo e comenta o avesso da sua indagação.
-- Achamos que gostaria de
contemplar sua obra.
O autor flexiona a cabeça, num
gesto de agradecimento e o amigo continua a apresentar os aposentos.
-- Não tem quarto de vestir, mas
o de banho é excelente e ajeitamos a copa para ser o seu estúdio. Venha ver.
Pela saleta, adentram o espaço.
-- Adaptamos a pia para as
revelações dos retratos e fixamos esses ganchos. Basta erguer a corda e terá um
varal para a secagem. O sol bate à tarde. Por isso as cortinas pretas para
vedar a claridade da janela. E do outro lado desta parede, há uma cobertura que
protege a fornalha. Bem cedo, a criada acende o fogo. Quando acordar, já terá
água quente para o banho.
Retornam para a saleta.
-- Descanse, tome um bom banho e
depois venha se encontrar conosco. Mas nada de pressa. O jantar será servido
mais tarde. Se estiver com fome, posso mandar trazer algo para comer.
-- Não será preciso. Obrigado.
-- Se quiser fazer uma boa barba
ou cortar o cabelo, posso chamar o Abdias. É um faz de tudo de grande
serventia.
-- Grato. Fica para outra ocasião.
-- Como quiser. Está bem assim,
com ar de pirata ou alguém do século passado.
-- Talvez tenha nascido na época
errada.
-- Cada qual com a sua natureza
-- E não sei?
Miram suas atrações e rejeições
recíprocas.
Quando se conheceram ainda
crianças, a altura de Valentin chamou na hora a atenção de Theodoro. Depois, seu
espírito inquieto e questionador o fisgou. Acha que o amigo reina no mundo das
ideias e sensibilidades, enquanto ele, no da matéria – extrai do intangível o
possível e concretiza as possibilidades. Acredita que os dons de cada um se
completam e que ambos poderiam ter desfrutado de benefícios mútuos se Valentin
tivesse se associado a ele na vida profissional. Mas isso é passado. Possui
expectativas de engajá-lo em seus projetos atuais e dar melhor destino aos seus
predicados.
Valentin contempla o quão
bem-sucedido Theodoro se tornou – atualmente é secretário de Assuntos Especiais
do Governo Federal. Ao receber sua carta-convite para fotografar a
reurbanização da cidade, surpreendeu não só com a proposta chegar justamente quando
planejava a viagem para a Amazônia, mas também com a retomada do contato. A
amizade esgarçara-se em Paris, antes mesmo de Catarina aportar por lá. Tinha
que Theodoro tornara-se um sujeito individualista, mobilizado apenas para seus
próprios interesses, num toma lá da cá bem maior para ele. Contudo, durante
esse afastamento, se pegou em situações que o remetiam para o amigo, fosse
porque gostaria de compartilhá-las com ele, fosse porque estava certo de que
ele se divertiria em saber sobre elas. Se há reservas, há também afetividade e
admiração.
-- É bom estar de volta.
Se não fosse o problema de ser
mais baixo, Theodoro o abraçaria para selar a renovação da amizade. Assim,
sorri a distância – e o sorriso é correspondido.
-- Então até daqui a pouco, diz e
sai.
Valentin pensa na recepção calorosa
do amigo com a imagem de Catariana ainda retida na sua mente. Engana-se com a ideia
de que essa é uma reação natural: como está bela!
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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