terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Capítulo Oito

NA CASA DE HÓSPEDE


Theodoro e Valentin entram numa construção erguida no final do jardim que margeia a ala do cotidiano do solar. O hóspede sente-se atraído pela atmosfera da saleta.  Aprecia a mesa de madeira – espaçosa –, o estofamento em couro das cadeiras – deslizantes –, as flores em um vaso sobre um aparador – belas – e as confortáveis poltronas dispostas em um meio círculo: providencial para uma conversa a três.
-- Aqui poderá ficar completamente à vontade. Mas, se preferir, pode escolher um dos quartos da casa, oferece o anfitrião.
-- Não será preciso. Tudo me parece muito bom.
-- Mas nem tanta liberdade!
Valentin sorri e Theodoro depreende que acertou na decisão de hospedá-lo ali.
-- Venha ver o quarto.
Porta aberta, um ambiente repousante se revela e o olhar do hóspede é seguido pelo de Theodoro, que se depara com a tela da mulher à beira-mar exposta na parede. Não estava no sótão? – Pergunta a si mesmo e comenta o avesso da sua indagação.
-- Achamos que gostaria de contemplar sua obra.
O autor flexiona a cabeça, num gesto de agradecimento e o amigo continua a apresentar os aposentos.
-- Não tem quarto de vestir, mas o de banho é excelente e ajeitamos a copa para ser o seu estúdio. Venha ver.
Pela saleta, adentram o espaço.
-- Adaptamos a pia para as revelações dos retratos e fixamos esses ganchos. Basta erguer a corda e terá um varal para a secagem. O sol bate à tarde. Por isso as cortinas pretas para vedar a claridade da janela. E do outro lado desta parede, há uma cobertura que protege a fornalha. Bem cedo, a criada acende o fogo. Quando acordar, já terá água quente para o banho.
Retornam para a saleta.
-- Descanse, tome um bom banho e depois venha se encontrar conosco. Mas nada de pressa. O jantar será servido mais tarde. Se estiver com fome, posso mandar trazer algo para comer.
-- Não será preciso. Obrigado.
-- Se quiser fazer uma boa barba ou cortar o cabelo, posso chamar o Abdias. É um faz de tudo de grande serventia.
-- Grato. Fica para outra ocasião.
-- Como quiser. Está bem assim, com ar de pirata ou alguém do século passado.
-- Talvez tenha nascido na época errada.
-- Cada qual com a sua natureza
-- E não sei?
Miram suas atrações e rejeições recíprocas. 
Quando se conheceram ainda crianças, a altura de Valentin chamou na hora a atenção de Theodoro. Depois, seu espírito inquieto e questionador o fisgou. Acha que o amigo reina no mundo das ideias e sensibilidades, enquanto ele, no da matéria – extrai do intangível o possível e concretiza as possibilidades. Acredita que os dons de cada um se completam e que ambos poderiam ter desfrutado de benefícios mútuos se Valentin tivesse se associado a ele na vida profissional. Mas isso é passado. Possui expectativas de engajá-lo em seus projetos atuais e dar melhor destino aos seus predicados.
Valentin contempla o quão bem-sucedido Theodoro se tornou – atualmente é secretário de Assuntos Especiais do Governo Federal. Ao receber sua carta-convite para fotografar a reurbanização da cidade, surpreendeu não só com a proposta chegar justamente quando planejava a viagem para a Amazônia, mas também com a retomada do contato. A amizade esgarçara-se em Paris, antes mesmo de Catarina aportar por lá. Tinha que Theodoro tornara-se um sujeito individualista, mobilizado apenas para seus próprios interesses, num toma lá da cá bem maior para ele. Contudo, durante esse afastamento, se pegou em situações que o remetiam para o amigo, fosse porque gostaria de compartilhá-las com ele, fosse porque estava certo de que ele se divertiria em saber sobre elas. Se há reservas, há também afetividade e admiração.
-- É bom estar de volta.
Se não fosse o problema de ser mais baixo, Theodoro o abraçaria para selar a renovação da amizade. Assim, sorri a distância – e o sorriso é correspondido.
-- Então até daqui a pouco, diz e sai.
Valentin pensa na recepção calorosa do amigo com a imagem de Catariana ainda retida na sua mente. Engana-se com a ideia de que essa é uma reação natural: como está bela!


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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