sábado, 31 de janeiro de 2015

Capítulo Cinquenta e Cinco

DO INFORTÚNIO ALHEIO


Numa luxuosa e espelhada confeitaria, descortina-se para Catarina a desgraça de Carlota Abreu Vaz, uma das irmãs da Ordem da Estrela.
-- O magistrado possui uma teúda e manteúda.
A revelação aperta a dor calada no peito de Catarina.
-- Coitada. Imagino como deve estar sofrendo.
-- Destruída pela mais apática melancolia. Só reage com cálices de Porto.
-- Quem te falou?
-- Eudóxia e está possessa. Contou que o comércio do marido sofre com essa escandalosa invasão.
-- Invasão?
-- Das desclassificadas. Estão a fazer o mais desvelado trottoir nas ruas.
-- Não me diga?!
-- Na Sete de Setembro, sobem e descem até em plena luz do dia, abanando o rosto cheio de pintura com leques de elevado preços. Não há casa comercial que resista a tão dissoluta companhia.
-- Foi assim que o magistrado conheceu a pessoa?
-- Em lugar pior. No bordel da francesa, a tal Ninon de não sei o quê. Já ouviu falar da peçonhenta?
-- Vagamente.
-- Dizem que a devassada se veste com um luxo só.
-- Carlota descobriu de repente?
-- Não, aos poucos, por causa das constantes ausências noturnas do magistrado, mas há muito que dormem em quartos separados.
-- Ó dó!
-- Pois então. Carlota recolheu-se no silêncio, achando que essas ausências fossem apenas uma necessidade passageira, coisa de homem, sabe como é?
-- Sei.
-- Qual o quê! A dissoluta enlouqueceu o magistrado. E o despropério alcançou as alturas. Parece que montou casa para a perdida ou a botou num hotel.
-- Ah, não!
-- Quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é? O magistrado sempre foi tão atencioso com Carlota.
-- Mas ela precisa lutar.
-- E não lutou? Chorou, descabelou, arrufou... O que mais pode fazer senão padecer com dignidade?
        Catarina não sabe responder a questão, pelo menos nesse momento, mas acha que deve tirar partido do infortúnio alheio para resolver o inconfessável que ameaça o seu casamento.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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