quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Capítulo Trinta e Oito

DA REJEIÇÃO


Catarina passa o dia no quarto e horas torturantes se sucedem para Valentin, desejoso de tê-la novamente em seus braços. A noite chega e ele rouba a chave da porta de uma das salas do solar. Da casa de hóspedes, espreita a movimentação: janelas que se fecham; luzes que se apagam, outra que se mantém acesa; criadas que deixam o solar...
Recostada na cama, sonhando em estar grávida, Catarina empalidece ao vê-lo. Levanta-se.
-- Perdeu o juízo?
-- Precisava ver você.
-- Não pode entrar aqui. Por favor, vá embora.
-- Onde então podemos nos ver?
-- Esqueça o que aconteceu. Foi um sonho, não, um pesadelo, uma loucura.
-- A loucura ocorreu há anos, quando a deixei ir de mim.
-- Tarde demais, Valentin. Há Theo. Jamais poderei ser feliz ao seu lado.
-- Não foi isso que mostrou nos meus braços.
-- Era uma mulher narcotizada, fora de mim, enredada em um teatro profano.
-- E, ainda assim, pleno de revelações.
-- Que me envergonham profundamente. Perdemos a noção do certo, do errado, de tudo o que é mais sagrado.
-- Vivemos o sortilégio da paixão.
-- Não somos animais para agir à mercê dos instintos.
-- Por que nega a emoção sentida?
-- E passar por cima de tudo? Jamais. Os valores nos elevam. E nós os violamos. Ferimos o decoro, traímos a confiança de Theo e eu os meus votos matrimoniais.
-- Nenhuma palavra de carinho, só condenação?
-- Como pode ser insensível?
-- Consumiu minha sensibilidade com as promessas do seu olhar.
-- Por favor, não me degrade ainda mais.
-- Longe de mim. Mas seus tormentos me surpreendem, destoam de você.
-- Então não me conhece.
-- Inteirou-me de desejos, não de dilemas.
-- Quer me impor toda a culpa?
-- Não, quero apenas entender o que a moveu: não bastou o banho de mar? Precisou deitar-se comigo para descobrir seus limites?
Catarina olha ao longe e exala uma trágica dignidade.
-- Se pudesse palpitar em meu corpo, um instante sequer, saberia o quanto ansiei viver o que o destino nos negou. Ao te ter de novo tão próximo, fantasias juvenis despertaram e, enfeitiçada, mirei as águas do desejo. Confundi o impossível com o possível. Pensei que estivesse acima dos costumes. Mas não. Descobri que não posso trair meus valores, desonrar Theodoro e nossas famílias. Mais um passo em falso, escorrego para o abismo de mim mesma. Não quero viver entre Suplícios, Lágrimas e Trevas. Peço-lhe perdão, compreensão e que parta para o Amazonas o mais breve possível. Meu espírito pede reparação. E só com a separação de ti, com a mais completa distância, poderei reconciliar-me comigo e me elevar novamente aos meus próprios olhos. Não me negue o refrigério da paz possível.
Desorientado por ser fonte de tanta agonia, destribado da paixão, Valentin recua em passos lentos até ter coragem para sair de vez. Catarina cobre o rosto com as mãos: não sou má, só precisei ser um pouquinho ruim.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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