domingo, 25 de janeiro de 2015

Capítulo Quarenta e Quatro

TRAVESSIA E CARTAS


Combalido pelas decepções vividas nas terras cariocas, Valentin conhece a bordo dissabores até então inusitados em sua experiência marítima. Mareia, sua frio, tem tonturas e dor no corpo. Três dias se consome nesse terrível mal-estar. Acorda gripado. Queima de febre. Purga com vômitos e disenterias. Pensa que vai morrer. Do nono dia em diante, o nível da indisposição começa a diminuir. Um imediato o consola.
-- Viveu o inferno. Tá no purgatório. Conhecerá o céu quando chegar.
Desmilinguido de fraqueza, atado a si por um fio de percepção, Valentin não consegue indagar se o presságio revela a recuperação da sua saúde ou se anuncia a última etapa do desenlace da sua alma rumo ao além. Continua a seguir à risca as recomendações do médico do navio: comidas leves, descanso no convés e olho fixo em qualquer poste do navio.  Fraco, desembarca em Belém do Pará.

Rio de Janeiro, 19 de março de 1904.
Rainha, o bota-abaixo na Avenida Central tem sido um sucesso e publicamos os regulamentos da Justiça Sanitária. A publicação exacerbou o ânimo da oposição. Por esta razão, ainda que as saudades sejam enormes e ao contrário do teu desejo de voltar, prefiro que permaneças na fazenda até os feriados que está tão próxima quando irei te buscar. Transmitas minhas lembranças aos teus pais e continues a usar os préstimos do chefe da Estação de Trem no envio de cartas. Assim tuas notícias chegarão mais rápidas até a mim. Beijo-te todinha, aliada amada de todas as horas e de todos os meus sonhos, Theodoro.

Divisa, 21 de março de 1904.
Amado, meu coração tem estado todo o tempo contigo. Confesso que preferia voltar para nosso ninho de amor. Mas já que teu desejo guia o meu, aguardo-te aqui. As quaresmeiras já se enchem de cor antes de abril, e eu floresço com as alegrias de saber que mais um pouco estarei novamente contigo. Com devoção e carinho, beijo-te também todinho. Tua rainha, amante, esposa, cúmplice dos teus desejos, Catarina.
 Indisposta, envelopa a carta. Não deu conta de escrever mais. A menstruação está atrasada e, em vez de lhe vibrar docemente a alegria do indício de gravidez, o corpo padece de um crescente mal-estar. Rouba-lhe forças para expressar a felicidade desse jubiloso prenúncio de concepção. A indisposição é tanta que desconfia de quebranto. Tenta reagir com seus recursos habituais. Reza e apega-se ao lado bom da situação. Imagina o calor gostoso do bebê em seu colo, o prazer de acariciar suas mãozinhas, a delícia de beijar sua pele macia... Mas a azia, o refluxo, a lombeira sobrepõem-se ao brilho das imagens e tornam-se ineficazes suas tentativas. No inverso do que sonhou, vive o início da desejada concepção.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário